Em vez de se meterem na vida alheia e falarem dos outros, algo promovido pelo algoritmo e proclamado pelo usuário, nada como aperfeiçoar a sua... Acredite: ninguém quer saber o que come, bebe , para onde vai ou o que está a fazer ou mesmo a pensar...As comédias gregas possuem um grau de ironia e absurdo elevado, colocando no ridículo os jogos de interesses, poder, as inocências simuladas dos políticos, e não só..., para não dizer "politiqueiros, e tráfico de influências que os Sapiens gostam de fazer, sentindo-se na suas alegadas grandezas , o tão pequenos que são. Nas aves está expresso, de uma forma metafórica, que mesmo fugindo de Atenas, criando uma cidade ideal , a sui generis, Nefelocucolândia, os vícios, a corrupção e a " animalidade civilizacional" continuam , porque as cidades podem mudar, os homens é que não...
As tragédias gregas encerram sempre um ensinamento, possuem um travo de catarse, uma pitada de crueldade e uma dose salutar de libertação . Ou seja, sempre que o homem excede a sua medida, nomeadamente querer desafiar os deuses, a consequência é inevitável. Um pouco como a física clássica de Newton, a uma acção corresponde uma reacção de sinal equivalente ou mesmo o que o provérbio popular profetiza , cada um colhe o que semeia . Os deuses nestas duas peças, ficam quietos e nada fazem ,se não se meterem com eles, o que não foi o caso, embora liquido, liquido seja o pingo no nariz como a comédia dell`arte ironiza. Se os Persas de Ésquilo , uma das peças primordiais e que milagrosamente chegou até nós, remetem para os efeitos do excesso de importância e ganância que o homem , o sapiens sofre, as Bacantes de Euripídes relatam os efeitos perniciosos das paixões desenfreadas, dos prazeres evasivos que as almas incontidas, amarradas aos seus "hades" interiores padecem... A loucura ,a vingança e o orgulho bebem-se em cálices de sangue ...Uma contraposição do dionisíaco devir às apolíneas e estóicas" estátuas de pedra"...Afinal, ser ou não ser... Uma última nota, para a primeira preocupação ecológica revelada nos Persas , nomeadamente a fala de Dário em condenar a petulância de Xerxes em querer dominar , flagelar a natureza...Leituras obrigatórias em tempos de alterações climáticas , preconceitos raciais, sexuais e absoluta imoralidade com que a velha Europa trata o Sapiens Africano...
A luta do homem moderno é contra o esquecimento. Querendo domar o tempo, o homem esquece que a sua condição absoluta é a solidão. Aprender a arte do silêncio e da contemplação, viver a teologia do despreendimento e beber a mais pura substância da vida são exercícios de lucidez nesta época de enormes conquistas tecnológicas, mas de enorme narcisismo digital e pobreza de espírito. O que de verdadeiro existe é invisível aos olhos, avesso à publicidade personalizada e transcende todos os portões da percepção...
Imagens: Escultura mnemosyne - deusa da memória e escultura de Albert Giacometti Um livro sobre a inconstância, a insatisfação e a finitude de homens e mulheres que nunca estão contentes com nada . Os sentimentos e emoções de Frédéric Moreau não o levam a lado nenhum. Um título cheio de ironia , uma vez que a educação sentimental é uma espécie de" roleta francesa" , em que se vão desenrolando no pano narrativo as contradições de uma sociedade , os vícios e fraquezas de um mundo em mudança. Tal como em Balzac, o dinheiro e as relações de poder assumem um papel vital. Um livro de época , típico do século XIX, mas que continua actual. Fréderic poderia ser um herói dos tempos digitais, uma " espécie" de um homo erectus, preguiçoso, flácido e condenado à extinção pela ambição predadora dos sapiens, que como sabemos nunca foram dados a " sentimentos"...Uma última nota para a prosa absoluta de Flaubert, o requinte no pormenor e na descrição de ambiências, numa época em que os suportes visuais estavam a habituar-se à luz eléctrica...
Martin Parr | The Last Resort New Brighton, England. 1983-85. © Martin Parr | Magnum Photos8/7/2018 O filme de Dennis Hopper com a participação do mesmo , de Peter Fonda e Jack Nicholson, bem como a película de Einsenstein com actores como Ggrigori Aleksandrov, Mikail Gomorov, Ivan Klyukin e Alexandr Antonov transmitem, através de metáforas visuais, a insanável contradição que dezenas de séculos de ideologia foram incapazes de desmontar: O preconceito, o poder , a necessidade de dominação, a crueldade e a infinita estupidez "reptiliana "... Em ambos, a carga do trabalho assume dimensões filosóficas distintas. Em Easy Rider( 1969), a condução das motos estrada fora busca um lugar idílico sem a carga dos ponteiros do relógio. Na greve( 1925), os trabalhadores revoltam-se contra o ritmo opressor do relógio . Uns não querem trabalhar , buscando o que natureza oferece, outros lutam por melhores condições de trabalho. Uns querem ser selvagens, outros não conseguem deixa-lo de ser. Uns viajam pela contracultura outros ficam imobilizados pela máquina industrial trituradora ao serviço de uma classe. O fim de ambos os filmes é um beco sem saída em que a violência nivela todos os sonhos de liberdade e igualdade desejados pelos protagonistas. Afinal, o Sapiens é pouco lúcido e pouco civilizado. Nem a tecnologia de hoje tornou o Sapiens mais clarividente. Se o filme mudo de Eisenstein é um prodígio de montagem feita por este pioneiro do cinema, o filme de Hopper é pincelado pela magnífica banda sonora . Jimi Hendrix, Setppenwolf e os The Byrds, entre outros , fornecem ao filme o necessário " combustível". A liberdade e a igualdade são utopias. Quem é livre não é igual e quem é igual não é livre . Mas enquanto houver estrada para andar, o sonho permanecerá vivo... |
AutorJon Bagt Categorias
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Junho 2022
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