A ESTANTE DO PORTEIRO
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Meu reino por uma salamandra

2/8/2019

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Há pouco tempo concretizei um sonho antigo: o de ter uma salamandra a lenha em casa.
A salamandra é em ferro forjado e tem uma grande janela em vidro, como se fora uma televisão dos anos 50. A lenha e o fogo são um mundo interminável, feito de conhecimento subtil e representam uma preciosa oportunidade de meditação silenciosa.

Encomendei meia tonelada de lenha, que o nosso fornecedor nos entregou, explicando que acompanha todo o processo, sendo ele próprio a fazer o abate e o posterior corte da madeira. Tal serve por dizer que ele ainda conheceu todos aqueles toros, ramos e lascas quando ainda eram árvores vivas e inteiriças. Ele explicou-me as características de cada um dos tipos de madeira, falando-me, quase poeticamente, sobre o aroma, a chama, o calor e as cinzas. No essencial, retive que não se pode querer tudo. Se queremos um delírio flamejante, não teremos tanto tempo de calor; se queremos perene calor, será difícil não arcar com as cinzas abundantes.

Ainda antes de acender a salamandra pela primeira vez, detive-me a simplesmente olhar aquele muro de lenha impecavelmente empilhado e ordenado, no seu improvável e frágil equilíbrio, apreciando a alternância do carvalho com a oliveira. Apercebi-me de que aquela poderia ser uma síntese das duas paisagens-matriz da minha vida: a de Trás-os-Montes e a do Alentejo.

Acender o lume, mesmo com a abundância de tecnologia de hoje, ainda é um desafio e um ritual quase alquímico. Aprecio, em especial, o quanto o fogo respeita as hierarquias, como se fora um exército napoleónico: começa em lascas, pico, pequenos ramos e pinhas, de onde se propaga a ripas, nobres troncos e toros. A final, tudo se mistura em braseiro e acaba por fundir em cinza, já não sendo possível compreender onde começou o fogo. Há uma profunda justeza nesse desfecho total, sem tréguas nem ambiguidades. Poucas coisas são tão limpas como a cinza. E como não adorar a sua textura leve e quase diáfana?

Passo horas a fio a simplesmente fitar o fogo, como se tratasse sempre de uma narrativa única e irrepetível. Aquele fogo pode ser um império, uma relação, uma existência, uma vertigem ou uma morte. Gosto de compreender porque é que alguns pedaços de madeira tardam a arder ou enjeitam mesmo as chamas. Cedo me apercebi de que os cavacos pegam fogo entre si quando faceados pelo lado do golpe. O que significa que se unem pela chama do mesmo modo que o fazem após as enxertias. Enquanto espreito as labaredas, os tons, os cambiantes de luz e de cor, projecto-as na vida, na minha e na dos meus, bem como no mundo que me rodeia. E, de certo modo, tudo me parece um pouco mais natural, límpido e apaziguado. Talvez seja por isso que, desde antanho, o homem fita o fogo, como se fora a primeira vez.
Quando acendo o fogo e me aqueço, eu sinto-me mais rente a tudo e mais despojado de excessos. E reconheço a verdade no verso da canção dos Pink Floyd:
​
“When I come home, cold and tired, It´s good to warm my bones beside the fire”.  


Carlos Miguel Rebocho
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A Cor da Romã (Sergei Parajanov, 1968)

2/6/2019

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Último Slow de Rui Catalão - Ensaios

2/6/2019

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CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS : ALÍPIO PADILHA
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CONVERSA COM RUI CATALÃO

2/6/2019

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Rui Catalão (RC) é actor, dramaturgo e encenador. A conversa que se segue resultou de um generoso contributo que deu à Estante do Porteiro (EP).
 
EP: Qual o momento fundador em que descobriu que queria seguir as artes de palco?

RC: Foi quando comecei a trabalhar com o João Fiadeiro em 1999. Ele na altura estava a desenvolver uma metodologia de trabalho, a composição em tempo real, e fiquei fascinado com essa ferramenta. Não se tratava de preparar algo para depois representar, mas de criar as condições para fazer uma pesquisa em palco, à frente do público. Na primeira peça em que trabalhámos juntos, “O que eu sou não fui sozinho”, ele convidou-me para o apoiar na dramaturgia, mas acabei por entrar em palco. Tudo partia de uma conversa informal, em que eu explorava as minhas memórias, e as coisas que partilhava com o público não eram preparadas, aconteciam ao vivo, em tempo real. O próprio exercício da tomada de consciência acontecia em palco, já durante os espectáculos, e a partir daí exploravam-se áreas ainda mais estranhas, como o processo do inconsciente a levar-nos por caminhos em que eu nem fora do palco alguma vez me atrevi a ir. Para mim foi uma experiência perturbadora e surpreendente, mas que ao mesmo tempo me deixou muito curioso. Havia uma série de dimensões da minha psique, do meu corpo, da consciência ou falta dela que tinha da minha identidade e da minha imagem que eu desconhecia e que, em palco, perante um público, vinham à superfície. Durante esses três anos em que trabalhei com o Fiadeiro, fui convidado para trabalhar com um bailarino romeno, Manuel Pelmus. Trabalhei com ele e os seus bailarinos em Viena, Bucareste e Paris. Depois, quando voltei, fui convidado por outro coreógrafo, o Miguel Pereira. Então apercebi-me que estava a criar um enorme caixote do lixo de ideias que não estavam a ser exploradas. Foi quando decidi reciclar essas ideias e comecei a fazer o meu próprio trabalho.

EP:Algum actor, realizador ou dramaturgo que o tenham influenciado no seu percurso criativo?

RC: Inicialmente foi mesmo só o Fiadeiro. Mas depois comecei a pensar como abordar o meu teatro.Tinha a ideia de que a principal matéria era para ser trabalhada ao vivo, recorrendo à memória do momento, ao instinto, à relação de partilha com o público, e como é que as pessoas muito concretas que estão à tua frente te vão condicionando. Mas isso tinha de ser preparado na mesma. Comecei então a estudar, de forma mais analítica, alguns artistas que sempre admirei:o trabalho de Kiarostami, na forma como manipula actores e não actores, dirigindo-os já à frente da câmara; o filme de Victor Erice “O sol do Marmeleiro”, sobre o pintor Antonio Lopez, e a forma como ele tenta acompanhar no processo de pintura o crescimento da árvore que lhe serve de modelo; os filmes de Ozu, por se concentrar no mesmo universo de personagens de subúrbio das minhas histórias;Nabokov e Proust, pelo trabalho sobre a memória a partir de associações e acasos; Mizoguchi, pela forma como explorava dramaticamente a composição cénica, as movimentações e a gestualidade no espaço; Pedro Cabrita Reis, pelo uso de materiais disponíveis, que se encontram ao acaso nos locais de trabalho, e que são reciclados para a cena. Finalmente, de todos os mais importantes: John Coltrane, Charles Mingus e Eric Dolphy. Partindo de frases muito simples, quase elementares, eles improvisam depois, explorando soluções formais, a memória da sua relação com a história da música, mas também a ideia de uma “escrita” que vive da espontaneidade do momento, e que também desenvolve os seus próprios temas, motivos, padrões, digressões, etc. Em cada trabalho concentro-me num diálogo com outros artistas e linguagens, mas seria saturante mencioná-los a todos.

EP: Quais os projectos que neste momento está a trabalhar? E quais aqueles que mais gostou de criar e /ou participar?

RC: estou agora a preparar um monólogo com o Joãozinho da Costa, um intérprete com quem venho trabalhando há perto de 4 anos e que já entrou em outras quatro peças que fiz. Será um solo baseado nas suas experiências de vida, e em que eu lhe proponho a criação de frases coreográficas a partir de temas de jazz, nomeadamente do “Giant steps”, do Coltrane. O Joãozinho também deu passos gigantes. Primeiro porque é muito alto, tem quase 2 metros, e depois porque vem de muito longe, nasceu na Guiné, e já fez muitas coisas.
As minhas peças partem sempre de motivações muito pessoais, e por isso são todas especiais para mim. Mas o solo “Dentro das palavras” (2010) foi a peça em que eu descobri o meu teatro, o meu estilo, as minhas ideias e caprichos. No que respeita a colaborações com outros artistas, recordo sempre com muito carinho “Untitled/Still Life”, com a Ana Borralho, o João Galante e o Cláudio da Silva. Esse trabalho resulta de uma herança de termos trabalhado juntos no “Existência” (2002), com o Fiadeiro, e é assim a nossa versão a 4 da composição em tempo real. É uma peça em que os intérpretes estão - como dizê-lo? - camuflados entre o público, e vão convidando as pessoas para uma sessão de fotografia. O espectáculo é a criação de um álbum de família, já que tudo o que vai acontecendo nos permite criar uma relação de proximidade com os espectadores.

EP: Como diagnostica o panorama das artes em Portugal?

RC: Não posso fazer um diagnóstico porque só consigo acompanhar algumas coisas, muito poucas. O meu trabalho absorve-me cada vez mais e não tenho uma perspectiva geral do que se passa à minha volta, que é muito. Sinto talvez que há demasiadas propostas para o público que existe, e para os recursos disponíveis. Há demasiados trabalhos a serem apresentados uma vez e depois a desaparecerem, sem que haja um público, um discurso crítico a fazer a sua digestão. A ter condições para avaliá-lo. Chegou se calhar a altura de as cidades investirem mais na manutenção e recuperação dos equipamentos existentes, e em financiarem programas que promovam não apenas a apresentação de espectáculos, mas também uma relação mais orgânica com o público, que envolva formação e participação em projectos artísticos. A sociedade moderna depende cada vez mais de soluções criativas, e isso não é um talento inato, é mesmo uma prática que se desenvolve, é um modo de nos relacionarmos com os problemas e oportunidades que se nos apresentam.
​

EP: Muito obrigado, Rui.
 
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H2O: Ralph Steiner's classic 1929 ode to water

2/2/2019

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A meditative cinepoem from 1929 captures the reflective, ethereal wonders of water The US photographer and filmmaker Ralph Steiner (1899-1986) is widely considered to be a pioneer of both media, celebrated for his century-spanning work in modernist photography and documentary and avant-garde film. H₂O (1929), his debut short and one of the earliest US art films, is a meditative, visual ode to water in its many forms, focused on the liquid’s various textures and shape-distorting reflective qualities. In a series of static yet dynamic shots, water-spewing pipes and fire hydrants, waterfalls, raindrops, slow-flowing streams, and the shimmering surfaces of near-stagnant bodies appear on screen, with the visuals gradually becoming more abstract as Steiner transitions to closeups of water surfaces. This version of the film features a new original piano score from the Illinois-based composer William Pearson, commissioned by Aeon. H₂O is frequently mentioned alongside another documentary touchstone of the same year: Regen, by the Dutch directors Joris Ivens and Mannus Franken, which celebrates Amsterdam in the rain. Director: Ralph Steiner Composer: William Pearson
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Dali ...Aqui...

2/2/2019

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​Dalí once said: “Si muero, no muero por todo,” or “If I die, I won’t completely die.” Thirty years after his death, his words take on a new meaning at The Dali Museum in St. Petersburg, Florida. "Dali Lives" uses artificial intelligence to let visitors experience his bigger-than-life personality in an up close and personal way. Dali Lives – Art Meets Artificial Intelligence. Debuts April 2019 exclusively at The Dali Museum. Song: Insight XXX by Julien Marchal (Sacem/France), from Album: Insight III. Represented by: Visions from the roof
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História do alfabeto

2/2/2019

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Alfabetos

2/2/2019

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12/28/2018

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Foto de Jon Bagt
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Formas e Ângulos...

12/28/2018

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​The Teta stool/The Anca stool /The Coito stool
Designer Pedro Venzon
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Horizontes...

12/28/2018

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Saturno,  Marte, Vénus e Júpiter 

Galáxia M104 e  galáxia M51 localizada a cerca de 27 milhões de anos-luz da Terra.

Créditos: Nasa

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Genial Mozart

12/28/2018

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​Wolfang Amadeus Mozart nasceu a 27 de Janeiro de 1756 em Salzburgo. O pai Leopold cedo percebeu que o seu filho era um génio musical. Aos 5 anos, Mozart memorizou em meia- hora uma obra musical e ainda não tinha seis anos quando anotava no seu caderno escolar as suas primeiras composições musicais. O facto de seu pai o acompanhar em inúmeros concertos junto da aristocracia e realeza europeia , de ser fortemente aclamado por todos, também o expôs a inúmeras doenças infeciosas , contribuindo para uma saúde precária. Privou com Haydn e encontrou-se com Beethoven que foi bater à sua porta. Autor de uma obra profícua e extensa , os últimos anos foram de penúria e sofrimento tendo morrido pobre e na solidão. Uma situação de vida clássica entre os sobredotados , que raramente são reconhecidos como deve ser em vida devido às invejas e mediocridades dos instalados… . Sem nunca ter ficado provado, existiam rumores que tinha sido o seu rival António Salieri que o teria envenenado , embora o diagnóstico médico oficial tenha sido “ febre miliar aguda” Morre a 5 de Dezembro de 1791 com 35 anos de idade. É enterrado numa vala comum do cemitério de Sankt Marx de Viena. A música de Mozart abre caminho à inquietante estranheza do ser que Freud , mais tarde, preconizaria. Uma música pontuada de variações sensíveis que pautam as emoções e sentimentos humanos. O maior de todos, uma vez que a sua música é intemporal e eterna!
Sinfonia n.º 41 , KV 551
O allegro vivace mostra o tom pletórico e grandioso com a intervenção das trompetas e dos timbales. O andante cantabile , em contrapartida, prescinde dos metais e dos timbales e move-se todo ele em dinâmicas baixas, exceptuando uma breve secção em que domina uma certa agitação , estamos perante um andamento de uma poesia subtil e contida , que desprende uma sonhadora melancolia , uma sensação de nostalgia, de anseio por algo indefinido e indefinível. O menuetto recupera a graça e a elegância e o finale , um andamento que une a forma sonata dos mestres clássicos como Haydn, com a fuga tão cara aos mestres do barroco como Bach.
Fonte: Deutsche Grammophon
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Conversa com Luís Filipe Sarmento

12/18/2018

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Foto de José Lorvão
Luís Filipe Sarmento (LFS) é escritor, tradutor e realizador. A conversa que se segue resulta de um afável contributo que deu à Estante do Porteiro (EP).
 
 
EP: Os símbolos e os conceitos diluem-se, confrontam-se ou complementam-se?
LFS: Os símbolos representam ou tentam representar coisas na sua ausência e exprimem emoções, são ferramentas de ficção, podem revelar ou ocultar segredos, são protagonistas da imaginação e convidam-nos a entrar no universo do incompreensível, do que é desconhecido, de tudo o que se nos apresenta como infinito. Os conceitos definem ou caracterizam coisas, são ideias, pensamentos, estruturas que podem servir-se de símbolos, complementando-se. Não creio que se diluam ou se confrontem quando de símbolo e conceito falamos. Talvez possamos entender como escalas do olhar. 
 
EP:Os algoritmos são alquímicos? São eficazes na cartografia dos estados de alma?
LFS: Entendo a sua pergunta no sentido de que a alquimia se sustentasse num conjunto de regras e práticas para a resolução da transmutação de um metal noutro ou, na espagíria, para retirar de uma planta o seu valor essencial ou, simbolicamente, o seu ouro. Mas não creio que os algoritmos sejam aplicados à alquimia que hoje em dia é resgatada como metáfora dos chamados estados de alma. O algoritmo é um método de resolução de problemas, mas não é um laboratório. É também falível, donde qualquer cartografia, que se quer exacta, ficaria exposta ao perigo do erro e tratando-se da alma, que em si é um mistério, daria certamente lugar a equívocos angustiantes.     
 
EP: O excesso de estímulos tornou o homem um ser em permanente estado de ansiedade? É a nova peste negra ou é um “espectro radioactivo”, invisível a todos?
LFS: O homem viveu sempre em permanente estado de ansiedade e rodeado por um infindável número de estímulos, alimentados pela curiosidade, que o levou da caverna à exploração dos céus. Vivemos cercados por ecrãs, no seio de parques tecnológicos, que nos estimulam a um consumo desenfreado de «gadgets». Nunca como hoje fomos tão consumidores do efémero, tão produtores de lixo. Num dos meus livros sublinho que nesta liturgia celebra-se o presente e a identidade como expressão de uma vontade aparentemente própria e liberta de anátemas; valoriza-se o que é novo numa representação «vintage», a dessacralização do acesso, a afirmação do indivíduo que se perde em si e ignora o valor solidário da vida. A ignorância e a falácia surgem como elementos estruturantes da cultura do engano, da promoção da miséria, do desconhecimento de si. Resultado dos mercados que fabricam diferenças, o homem é uma curiosidade de repetições semióticas. Uma novidade do passado.    
 
 EP: Uma caneta e um bloco de papel são instrumentos contra a vertigem dos dias? Permitem desenrolar o tempo ao ritmo dos batimentos cardíacos? Ou o homem viciou-se no resultado e na velocidade?
LFS: Estamos encarcerados na velocidade e vivemos de resultados prematuros que muitas vezes descambam na miséria de si. Os media da hipermodernidade, através da criação das suas imagens-velocidade, das suas imagens excessivas e violentas, impõem comportamentos, isolando quem resiste. Se, por um lado, o aparente objectivo é a estandardização dos comportamentos, por outro, é a morte da crítica o que mais interessa aos «capones» que hoje controlam as políticas ocidentais. Ao inscrever-se no registo do espectacular, da moda feérica, os medias valorizam a propaganda do luxo, do divertimento vazio, contra a implementação do conhecimento e do saber cujos valores representam o seu principal inimigo. A megadiversidade da informação e a sua meteórica velocidade induz que se tem acesso a uma liberdade de escolha nunca vista, a uma autonomia libertadora que se reflecte na ilusão de se ter uma opinião própria. Nada mais falacioso. Essa megadiversidade é constituída por elementos de formatação estanque do indivíduo, levando-o a escolhas sem opção, criando à superfície da consciência o paradoxo de quem pensa que está a escolher o que na realidade lhe está a ser imposto. O debate deixa de ser democrático porque a crítica é silenciada através da sua morte prematura. Os media só dão acesso às vozes do dono. E da uniformização dos comportamentos, que representa a primeira fase do ataque à cidadania, passa-se à uniformização das convicções em falsas opiniões que dão a entender que há liberdade de pensamento quando na realidade o que há é o seu estrangulamento. A hipermodernidade está a conduzir-nos a um niilismo totalitário. Quando se exacerba o individualismo está a capturar-se o indivíduo solidário, a conduzir a humanidade para um beco sem saída. O futuro tornou-se curto, a esperança precária, a ilusão efémera, com a criação perversa de crises que nos lançam na mais repugnante miséria. Não há espaço para a contemplação, somos sugados pela vertigem dos imediatismos que nos sufoca. O capitalismo financeiro não vê para além do minuto. O refrão da rentabilidade, do crescimento a qualquer preço e da urgência sustentam um plano infindável de «reformas» até à exaustão dos povos para que a debilidade da luta deixe o campo aberto à vilipendiação do planeta. Trump é o paradigma. 
 
EP: A poesia permite reencontrar o que de mais ancestral existe no homem face à emergência da sociedade tecnológica?
LFS: Há um regresso tímido à poesia. Ela permite a questão. Escrevemos para saber quem somos. Com quem comunicamos. A emergência da sociedade tecnológica, ao contrário do seu programa, faz com que se liberte uma nova poesia como reagente à ditadura do vazio. A consciência de futuro apela aos poetas para um movimento de mudança que altere este paradigma. Por outro lado, a luta contra este estado a que os Estados chegaram levam os poetas a uma obrigação ética de lutarem com todas as ferramentas que a hipermodernidade criou para os derrotar. O tempo que nos toca é para ser vivido e não escoado. Tudo é urgente quando se esquece o que é importante. Neste sentido, a poesia pode desencadear uma luta de consciência contra todos aqueles que programam holocaustos sociais no tempo. Ao banalizar-se a mudança como estigma da hipermodernidade produtiva e consumista, está a vulgarizar-se a violência como estigma da mudança. É contra esta agressão sobre si-mesmo que o poeta se deve convocar.   
 
EP: A sua obra literária sugere poderosas imagens. Existe alguma influência do realizador? Ou o poeta prefere quebrar as regras de quem o dirige?...
LFS: Creio que é exactamente o contrário. O poeta influencia o realizador. Quebrar as regras é dar o passo em frente, inequívoco, contra quem o quer dirigir. Mas aceito-me como alguém que faz literatura sustentado na cultura cinematográfica e no que ela sugere. A minha literatura é feita de sequências de planos, é um filme de ideias onde o real está implícito no que se sugere. Programo os meus livros como um guião e elaboro os meus guiões como um poema. O que está entre o princípio e o fim é a navegação no seio do temporal que estimula por vezes a deriva por vezes a condução do leme. Mas devo dizer que a deriva e o caos me estimulam mais do que o conforto banal. A literatura liberta-me o sentido de aventura sem regras nem bloqueios e muito menos a vassalagem a modismos episódicos. A escrita não é um sofrimento, mas o prazer de quem se aproxima por sedução do mistério.  
 
EP: A consciência é uma rede de impulsos eléctricos. Basta cortar a cabeça e tudo acaba?... Os cientistas deveriam dialogar mais com os alquimistas ou com os poetas?...
LFS: Creio que já não há alquimistas. E se alguns há cristalizaram-se na ideia romântica do velho alquimista. A alquimia, hoje, é sugerida como metáfora poética. Há uns anos, li com bastante prazer um livro que se anunciava como a arte antecipa a ciência. Trata-se da obra de Jonah Lehrer, Proust Era Um Neurocientista. O jovem cientista, a propósito das suas experiências em laboratório, dizia a certa altura que o romancista previra as suas experiências. Dizia Lehrer que «Proust e a neurociência partilhavam uma visão de modo como a nossa memória funciona. Se ouvíssemos atentamente, estavam na realidade a dizer a mesma coisa». É um livro que aborda uma temática interessante e onde conta histórias de artistas e poetas que anteciparam descobertas da neurociência. As criações artísticas eram actos exploratórios, uma maneira de entrar nos mistérios que não conseguiam compreender. E o diálogo que propõe é que «a ciência seja vista através da óptica da arte e a arte interpretada à luz da ciência» porque «a experiência e o poema completam-se mutuamente».    
 
EP: A ignorância e o medo são as armas do poder. Como nos libertamos da ignorância, do medo, do poder e dos universos distópicos que os mesmos construem?...
LFS: Lendo. Não se deixando reduzir como receptor sem reacção ao que nos querem impor através dos media fraudulentos. Não deixar que se reduza o objecto cultural à imagem carnavalesca e colorida do facilitismo medíocre onde as vendas se transmutam em espectáculo de palcos viciados. Combater através do consumo de cultura a burla que surge como primeira figura de um vaudeville que consome milhões na ecranização dos enganos diários. Talvez um regresso ao livro ajudasse a recriar a massa crítica tão ausente, hoje, da prática diária. Só através da leitura e do conhecimento é que podemos fugir à farsa, ao embuste, que a maquinaria publicitária produz para que se assegure a lotação esgotada de um espectáculo de supérfluos. Descobrir o que nos comove e alimenta através dos livros, do teatro, do cinema, das artes plásticas, do bailado, da música. Redescobrirmo-nos como seres sensíveis ao belo. 
 
EP: Como vê o futuro face ao que conhecemos hoje, sobretudo no campo político e no dialogo entre as múltiplas culturas espalhadas pelo globo?
LFS: Tenho esperança nas novas gerações, num novo olhar e práticas que regenere o planeta. Tenho esperança na derrota das cleptocracias. Mas o regresso das extremas-direitas sustentadas em populismos resultantes da estratégia neoliberal que lançou os povos para a mais infame das misérias é uma questão que está na ordem do dia e que devia convocar as populações para lutar contra esta peste social e não se deixar seduzir por ela. Caso contrário, continuaremos a assistir impotentes à espectacularização dos negócios mais obscuros e à consequente corrupção dos seres. Quando chegamos a um tempo em que se comercializam emoções, se transaccionam imagens-lixo, em que o prazer pornográfico ganha estatuto artístico numa orgia abjecta que dilacera e confunde não podemos esperar que, sem um regresso ao confronto ideológico, à luta por uma ética que nos comprometa num diálogo que preserve a sobrevivência do ser humano, os actuais protagonistas da destruição desistam da sua ganância ainda que comprometa a subsistência dos seus próprios filhos. As actuais políticas promovidas pelos neoliberais conduziram à necessidade de alimentar a ambição desmedida dos seus sargentos o que tritura e triturará as proximidades, as cumplicidades, os afectos genuínos e não os comerciáveis e sustentará inevitavelmente o culto da traição. Vivemos a obra ao negro quando necessitamos de lutar por sublimar a grande obra da humanidade: a paz e a solidariedade entre os homens. Caso contrário, seremos brevemente tratados como escória a abater.  
 
EP: Muito obrigado, Luís
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Votos de um Natal com mais letras doces para todos os leitores da estante. Que 2019 traga bons livros e ideias luminosas para todos. Do porteiro...

12/16/2018

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O cometa de natal 46 p / Wirtanen Dec. 12, 2018 / Bleikvassli, norwey Por Tommy Eliassen
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12/16/2018

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O Pioneiro Haydn

12/16/2018

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 ​Franz Joseph Haydn nasceu a 31 de Março de 1732 na aldeia austríaca de Rohrau. Tinha dezasseis irmãos e três dedicaram-se à música. Na primavera de 1740 mudou-se para Viena. Os primeiros anos foram de provação e de instabilidade amorosa. Não tendo sido correspondido por Therese Keller , casou-se com a  irmã desta Maria Anna , sem antes ter ingressado no Convento de São Nicolau em Viena. Foi nesta cidade que conheceu os maiores sucessos. Contemporâneo de Mozart , com ele veio a firmar uma forte amizade. Embora a sua cidade de sempre tenha sido invadido pelas tropas napoleónicas, Haydn nunca deixou de tocar cravo . Faleceu a 31 de Maio de 1809  e no seu funeral ,apesar da ocupação francesa, ouviram-se alguns acordes do requiem de Mozart, precocemente desaparecido da vulgaridade do mundo em 1791.
 
A Criação:
 
Uma peça oratória com um texto baseado no poema de John Milton paraíso perdido , preparado pelo barão Gottfried van Swieten, um admirador do oratórios ingleses de Haendel. A criação pode ser considerada uma das obras cimeiras do legado haydiano, não só no que respeita à qualidade da música , mas também quanto a resumo do seu ideário humanista, expressando também na sua filiação maçónica.
 
Destaca-se a terceira parte , centra-se em Adão ( barítono) e Eva ( soprano) no Paraíso. O dueto “ Holde Gattin, dir zur Seite” é uma das páginas mais belas de toda a partitura , um dueto de amor que não esconde uma certa sensualidade  que, na altura e nos círculos mais conservadores da igreja católica . pareceu indecente. Haydn, que sempre foi crente , mas sem dogmatismos, quis expressar nesta delicada música a sua fé na união do homem com os seus semelhantes e com a natureza , uma união, que no fundo, é uma promessa de felicidade. Este oratório é uma sínteses única da ciência musical e a profundidade do sentimento religioso de Bach , a pujança expressiva de Haendel e a sensibilidade poética de Mozart.
 
Fonte: Deutsche Grammophon

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Orion Nebula

12/11/2018

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smm-j2135- 010 galáxia

12/11/2018

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E tudo o vento levou...mas em Marte!

12/11/2018

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Posto de Escuta: Anouar Brahem

12/10/2018

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Posto de Escuta

12/10/2018

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BACH- O ESCRIBA DE DEUS

12/2/2018

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      Johann Sebastian Bach nasceu a 21 de Março de 1685 , em Eisenach, no seio de uma família de músicos. O seu primeiro posto de trabalho foi em Arnstadt , em 1703, como afinador e restaurador de órgãos de igrejas da cidade. Durante a sua vida ocupou o cargo de organista em vários locais. Experiências que lhe permitiram dotar as suas composições de uma notável aura mística. O clima pietista permitiu, também,  ao crente anónimo a abertura de uma via directa para Deus pela música celestial de Johan Sebastian. Todavia, não descurou a vida terrena e teve sete filhos com Mária Bárbara Bach . Nos últimos  anos de vida foi acometido de uma crescente cegueira e acabou por falecer em Leipzing , onde foi sepultado no cemitério de São João.
 
Concerto n.º2 em  Fá Maior , BWV 1047
 
O brilho sonoro está presente neste concerto instrumentado para violino, oboé, flauta de bisel e trombeta solistas, mais cordas e contínuo . A habilidade de Bach  aqui, consiste em conjugar numa mesma partitura, instrumentos de timbres absolutamente díspares . Assim , o primeiro andamento é um verdadeiro alarde de sabedoria contrapontística , com os temas principais apresentados alternadamente pelos diversos instrumentos solistas sob o fundo mais modesto e rítmico de tutti. O segundo, em contrapartida , é um prodígio de expressividade pela música de câmara, requintada , recolhida e íntima , em que os instrumentos parecem dialogar entre si. O carácter espectacular regressa no andamento final , com o tema principal apresentado pela trombeta , que assim adquire um relevo que já não abandonará até ao último acorde
 
Fonte: Deutsche Grammophon
 

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A Primavera de Vivaldi

11/24/2018

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António Vivaldi nasceu a 4 de Março de 1678 , em Veneza. Foi ordenado sacerdote em 1703, embora tenha tido abandonado a carreira eclesiástica pouco depois por doença. Foi professor de violino no Ospedale della Pietá , um conservatório para raparigas órfãs. Mantinha uma intensa actividade com o Teatro Sant`Angelo, onde imensa óperas eram  interpretadas. Foi igualmente afamado compositor e empresário de óperas. Entre 1725 e 1728 estreou oito óperas em Veneza e Florença. Em  1725,  publicou em Amesterdão , Il cimento dell`armonia e dell`invenzione , monumental compilação de 12 ciclos de concertos , em que se incluem as universais quatro estações. Morreu na penúria.
 
As “ quatro estações” abrem com a “ Primavera”  concerto em mi maior, rv 269 dividido em três andamentos , segundo o esquema rápido-lento-rápido , onde domina a atmosfera pastoril e bucólica . O violino solista em breve ataca a imitação do gorjeio dos pássaros , enquanto a orquestra parece insinuar o correr dos regatos, o rumor do vento ou o zumbido dos insectos . O ritmo saltitante que caracteriza este primeiro andamento cede o seu lugar a uma belíssima melodia que o solista desenvolve no largo central , acompanhado apenas por um motivo das violetas que sugere o latido do cão que guarda o sono do seu pastor . O allegro final recupera a atmosfera do início com , com a imitação , por parte da orquestra, do inconfundível som produzido pela gaita , um instrumento especialmente adequado à festa popular que se pretende pintar.
 
Fonte: Deutsche Grammophon

Foto de António Vivaldi, domínio púbico, Vista de Veneza, @ Jon Bagt
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III EDIÇÃO - LETRAS À MODA DO PORTO- 9 /12/2018

11/16/2018

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A terceira edição das letras à moda do porto terá como tema as últimas ficções de Afonso Cruz, no dia em que o escritor apresenta na Flâneur o livro Princípio de Karenina (16.30H). Quem quiser poderá beber uma cerveja com Jesus ou um copo de vinho com a boneca Kokoschka. Não prometemos nenhum pintor debaixo do lava-loiças. Apenas a partilha de impressões acerca do Princípio de Karenina. Serão esperadas matrioskas para explicar a eterna contradição humana e se algum dia a enciclopédia da estória universal abarcará todo o pensamento. 
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VII EDIÇÃO DOS PETISCOS LITERÁRIOS

11/16/2018

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O tempo e o espaço são variantes fundamentais no cinema e na literatura.
O texto narrativo e fílmico convivem em múltiplas formas e abordagens estéticas.
Uma palavra é o mote de muita acção. Neste sétimo petisco em volta da sétima arte, e das literaturas que a inspiraram, vamos conversar em volta das personagens que mais ficaram na memória colectiva e dos planos que mais povoam o nosso imaginário.
Sem cortes, nem censuras prévias, convidamos todos a trazerem os vossos mundos para dentro dos livros e da tela de cinema.

Espaço Noctua em Amarante 
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