As praças virtuais não têm cheiro, paladar e não são sensíveis ao toque. É feita de muita imagem e algum som. É como se numa praça de uma cidade um homem tivesse uma mola no nariz , um fecho na boca e as mãos atadas.
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A memória é uma matéria volátil. Está sujeita a inúmeras incorrecções, lapsos e erros. A interpretação é igualmente falível em todos os homens. O tempo molda o ser. O ser nunca será o que já foi e jamais será o mesmo daquilo que agora lhe parece que é.
O passado é uma ruína. As pessoas são fantasmas, os objectos são inúteis e os lugares estão abandonados. O excesso de memória leva ao desespero. A falta de memória produz a alienação. A falta de memória é uma massa branca e o excesso é um objecto negro. Tarkovsky explora no filme nostalgia a luz e sombras da memória em amplas arqueologias cinematográficas. Todas as cenas são autênticos quadros filmados com a mestria de um poeta. Transmitir por visões e reconstruções o que o tempo apaga é um exercício difícil, mas que comove o espectador até ao máximo expoente da sua sensibilidade. O filme desenvolve-se em espectros sucessivos como ondas concêntricas do binómio tempo / espaço…Refracções difusas de emoções, sentimentos e pensamentos insolúveis mesmo que a água seja constante na ambiência dramática da película. Seja a chuva, seja o vapor dos banhos… Na era cibernética, a proliferação de estímulos anestesia o homem. Incapaz do excesso de memória, mas vítima da falta de memória pelo descomedimento de imagens. A imagem prostitui-se e a sua banalidade torna o homem desvinculado de qualquer tipo de desejo fundador e de um tempo de meditação e, sobretudo, de mediação com os lugares que habita e com as pessoas com que se relaciona. O erotismo da vida é substituído pela mortificação do momento. A falta da memória não é só individual, mas colectiva. Tarksvosky filma em 1983 o que se passa em 2016. Um louco montado na estátua equestre de Marco Aurélio diz a verdade perante os homens, aparentemente normais, dispostos geometricamente nas escadas da ambição, da vaidade e do individualismo. Mas a verdade não mobiliza os homens. O louco imola-se no fogo, mas nem com a imagem do sacrifício a multidão se comove e redime. Só um cão ladra… A melancolia é um estado de algo ou alguém que já não nos pertence, mas nas ruínas da alma há espaço para a beleza e para o sublime. O filme fecha com o destino de todos os homens. O protagonista morre só no seu templo na esperança de uma redenção no céu, já que na terra está condenado à ver o seu reflexo numa poça de água semeada na lama da irracionalidade civilizacional, a qual se apagará com a neve da história… O mundo, o homem podiam ser outra coisa, mas mesmo com a tecnologia não o são…E essa impotência ontológica leva a que o homem se sinta nostálgico de um destino que nunca se cumprirá e de uma natureza humana que nunca mudará, apenas se replica de Era em Era até ao abismo final… |
AutorJon Bagt Categorias
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Fevereiro 2021
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