Todavia, foi a linguagem que moldou, definitivamente, o mundo. A capacidade de comunicarem eficazmente que tornou os homens mais aptos a criarem civilizações, embora os cérebros fossem sempre os dos caçadores-recolectores primordiais. Sempre a desconfiarem uns dos outros e a terem medo de cenários inverosímeis.
Toda a linguagem, como forma privilegiada de comunicação, foi estruturada em volta da ficção. Criaram-se mitos românticos, nacionalistas, religiosos, capitalistas, liberais, conservadores e humanistas de forma a criar uma ordem imaginada.
O que se passa a nível da sociedade é replicado a nível individual: O homem procurou narrativas que o acalmassem, que lhe proporcionassem um sentido de vida e a demanda continua. Nem as civilizações se cristalizam na perfeição de um mundo ideal, nem os homens encontram paz de espírito. Os homens continuam à procura de Mais num jogo de espelhos e máscaras perigoso, num labirinto inútil de visibilidade e obscurantismo, herdando dos primos chimpanzés o mecanismo de validação e imitação para construírem uma identidade.
A verdade sempre foi a pós-verdade, umas vezes baseada em mitos, outras vezes em boatos, cusquices e a eterna perdição humana de a maioria dizer uma coisa pela frente do seu interlocutor e pensar ou agir de maneira diferente quanto se afasta.
No entanto, o humano tal como o contador de histórias das Mil e Uma Noites anseia sempre por novas histórias, para adiar a inevitabilidade da morte, mesmo que a maioria das ficções sejam sempre as mesmas ao longo de séculos: Disputas de poder, protagonismo, sexo e amor num banquete apocalíptico de guerra, fome e peste.As histórias ,para se manterem na perenidade dos séculos, necessitam da única coisa que os homens inventaram para confiar uns nos outros: O dinheiro. A única entidade que resiste ao preconceito, à ideologia, à constituição e aos traços de temperamento e carácter individual. Agir por interesse invocando grandes valores tem sido a roda motriz e o cimento agregador da espécie. A encarnação de um mal por um bem aparente sempre tornou o abismo mais apetecível ao estilo de Goethe e o seu contraditório Fausto.
O livre-arbítrio é uma falácia, mas todos acreditam, porque contam histórias interiores para si, que são livres. Basta accionar os estímulos primitivos básicos para o homem não se aperceber das grilhetas invisíveis. Nada de serve ler Camus, Sartre, São Paulo ou Nostradamus. O elenco da peça é sempre o mesmo. Os homens não são livres, nunca o foram e jamais o serão.Da mesma forma, também não são iguais, nunca o foram e jamais o serão. Todas as pessoas têm um código genético amplamente influenciado pelas variantes educacionais e empíricas a que são expostas, que levam a que cada humano tenha qualidades diferentes e oportunidades díspares no devir do mundo.
Duzentos e cinquenta anos de ideologia são colocados no prato da balança pelas vinte e uma gramas da alma mater humana.
A memória que se apagava em cem anos, em poucas gerações, pode ser mantida em mais uma aplicação tecnológica. Os programas de computador inserido nos telefones inteligentes pretendem domar o indomável: o tempo e o espaço. No entanto, o efeito é contrário. O caçador-recolector não foi feito para o estado de hipervigilância constante.
O ritmo lento de há cem mil anos entrou em velocidade cruzeiro. O tempo de reflexão tornou os homens mais sós e a precisarem menos dos seus cento e cinquenta semelhantes com que conseguem, minimamente, conviver pela disrupção tecnológica.
A era tecnológica, da qual vivemos a pré-história, acelerou a curiosidade e insaciabilidade do homem, perito em pensamentos fixos e na ânsia de tudo controlar e prever. No entanto, o fim da história individual, raramente, pelo menos em todas as variantes, com as quais o individuo sonha por indução cultural nunca acontece. Mas a mentira, outro agregador social, mantém o verniz …
No pressuposto que se evite a explosão da bomba nuclear e a destruição dos ecossistemas, algumas questões devem ser objecto de reflexão: Os futuros humanos, se assim se poderão denominar, com os aperfeiçoamentos genéticos e da inteligência artificial serão diferente dos de hoje? Serão capazes de serem tolerantes connosco, pobres sapiens, envoltos em sonhos fofinhos de redenção , vaidade e alegria efémera, sempre a querer fugir da dor e a não conseguir eternizar o prazer ? Ou seremos uma espécie incómoda, inferior, que sem acesso a recursos não será capaz de evoluir ou regredir para outro estádio? Os novo homens serão uma elite dona dos recursos naturais e /ou artificias que escravizará ou aniquilará os que não conseguirão aceder aos aperfeiçoamentos genéticos?Os cérebros de pedra de hoje ficarão pelo polegar oponível de outrora e o indicador digital do presente ou os novos cérebros e mãos de silicone tornarão o mundo um aborrecimento sem fim pela emergência de uma felicidade eterna à boa maneira de Huxley construindo um mundo novo? Ampliando a consciência e a percepção até domarem toda e qualquer inquietante estranheza de ser e qualquer horizonte de mortalidade?
Perguntas a que o bom senso não permite dar, por enquanto, dar respostas. O futuro é uma incógnita sabendo que na história o que hoje nos parece óbvio ou expectável não o era no passado…
Fim da Primeira Parte
© João Nuno Teixeira