Boa tarde , espero que todos estejam bem .
Em tempos de pandemia, partilho convosco algumas impressões sobre utopias e distopias, com referência a alguns livros que nos podem ajudar a reflectir na grande incerteza em que se tornou o nosso futuro colectivo.Desta vez , a comunidade de leitores é virtual e a estante do porteiro uma janela virada para vós.
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Até 2019 pensávamos que tínhamos dominado o mundo e a natureza com as máquinas e robôs imaginados por Asimov ou Philip Dick . Até meados do século XX, sonhávamos em ir à lua. Verne e Mélies desenhavam mundos alados, mas ao pisar a lua , o homem encontrou deserto, mais deserto...o lado obscuro do mar da tranquilidade que os Pink Floyd imortalizaram…
A guerra dos mundos de Wells não é longínqua, é aqui, neste mundo, onde todas as utopias e distopias se desfazem.A realidade ultrapassou a ficção e nem dom Quixote consegue explicar a Sancho Pança o mundo em que vivemos: ilhas rodeadas por terra e governadas pelo vórtice da irracionalidade…
A grande utopia de gerir um Planeta como um todo idílico que John Lemnon imaginou, esbarrou na ganância colectiva e nos instinto individual de sobrevivência. A Terra exaurida dos seus recursos foi e é chicoteada pela mais perigosa espécie: a do homem, esse ser sedento e insaciável.
Construímos pequenas ilhas como Thomas Moore, mas encerramo-nos nelas, isolamo-nos como cavaleiros com máscaras , não de ferro, mas cirúrgicas…
Julgávamo-nos omnipresentes, todavia, a globalização, ou alguns efeitos dela, paradoxalmente, afastou o que pretendia unir.Quisemos ser Prometeu , mas o homem de barro gerado pela corrente eléctrica tornou Frankestein de Mary Shelley a imagem perfeita do falhanço do homem na busca da omnipotência e imortalidade.
A utopia é a antecâmara do sonho, da esperança e da transformação social.A República de Platão, a obra homónima de Thomas More, o Capital de Marx ou o Apocalipse da Bíblia relatam sociedades terrenas ideais ou ordenamentos divinos depurativos.
A fé em Deus é um poderoso lenitivo contra a descrença no Homem que Albert Camus tão bem descreve , Não é a morte que é um mistério, porque a morte pode ser eterna, a vida é que é um enigma, diria , benigno
O projecto terreno da utopia, do progresso civilizacional nunca foi alcançado . Os séculos são atravessados pelas guerras, fome e epidemias. O poder, a violência e a sede de acumulo monetário retirou à Polis qualquer esperança de realização da utopia, de ter um homem civilizado em harmonia com a natureza na condução da vida.
A ideologia é subvertida pelo pragmatismo ou mesmo traída. O motor da mudança é bloqueado pela pesada máquina burocrática.Franz Kafka narrou num dos seus contos como um símio se transformou. As suas obras descrevem a incompletude de qualquer projecto humano e a brutalidade do sistema ideológico, corrompido pelas necessidades práticas dos detentores dos meios de subsistência.
No filme 2001 Odisseia no Espaço, Kubrick filma os símios a lutarem uns contra os outros e mesmo que a tecnologia esconda, nada impede de constatar que a posição bípede entretanto alcançada tenha sido útil no progresso axiológico, civilizacional e ambiental da humanidade. No mesmo filme, quando os símios não se digladiam, imitam-se uns aos outros.
Sonha-se com a utopia e constata-se que é a distopia e a disfuncionalidade critica que governam o devir do tempo.
@ João Nuno