EP: Trabalhar com as palavras é como esculpir ou é como recolher flores frágeis num jardim?
FL: Eu vejo mais como esculpir. Por vezes é quase partir pedra. A palavra é uma espécie de material duro, que nem sempre se deixa trabalhar.
EP: Acontecimentos bíblicos servem de fonte ao filme “A Palavra” de Carl Theodor Dreyer. Quais as palavras mais belas e transformadoras que encontra na Bíblia?
FL: “O sábado foi feito para o homem; e não o homem para o sábado”. Cada vez acho essa frase de Jesus (que só Marcos transmite) incrivelmente revolucionária. A religião não pode servir para aprisionar as pessoas.
EP: A tragédia dos homens é não compreender essas palavras transformadoras? Não colocar em prática todos os ensinamentos de Jesus?
FL: Continuo convencido disso: a mensagem de Jesus é onde está a chave para os problemas humanos.
EP: Os episódios da Torre de Babel e do Pentecostes são reveladores da importância da tradução? Qual o espírito que o inspira para brindar o leitor com tão belas revelações presentes na sua obra?
FL: A tradução é sempre imperfeita, isso é algo que o tradutor tem de aceitar à partida. Aquilo que mais me inspira é a vontade de dar a conhecer o texto da Bíblia com rigor académico. Tento estar à altura da tarefa dedicando-lhe todo o meu trabalho, mas também sei que o resultado nunca poderá ser perfeito. Esforço-me, no entanto, por fazer o meu melhor.
EP A poesia, a matemática e a música são os divertimentos de Deus ou são as fugas dos homens?
FL: Para muitas pessoas, são a prova de que Deus existe. No meu caso, a prova decisiva da existência de Deus é a música dos grandes compositores (Bach. Mozart, Beethoven). Não há fumo sem fogo.
EP: Qual a importância da música de Johann Sebastian Bach no seu método de trabalho?
FL: Bach acompanha-me todos os dias, sobretudo a sua obra para cravo. Vou ouvindo a Arte da Fuga, as Variações Goldberg, o Cravo Bem Temperado, as Partitas. Normalmente por Gustav Leonhardt, cuja maneira de tocar cravo tem algo de místico.
EP: A poesia e a tradução buscam a palavra certa ou a palavra perdida?
FL: No caso da tradução, partimos da palavra certa, que é a original, e depois andamos à procura da palavra perdida algures na nossa própria língua que a transmita.
EP: Existem mais significados que significantes?
FL: Os significados constituem todo um universo fascinante.
EP: O silêncio abarca todos os sentidos? E a palavra?
FL: A palavra fica sempre aquém da música, que chega mais longe, mas é preferível ao silêncio, embora eu precise do silêncio para nele encontrar as palavras de que preciso.
EP: Deus é silêncio?
FL: É o silêncio que O ouvimos melhor, talvez. Mas Deus está em tudo, sempre. Nada Lhe é alheio. Mas a maneira que Ele tem de se fazer sentir no mundo humano é o amor com que as pessoas se amam.
EP: Muito Obrigado, Professor.