EP: Imagine que tinha sido Adão a comer, em primeiro lugar, o fruto proibido. Qual seria o lugar de Eva?
HV: Tenho pena do pobre Adão, tão lerdo! Não percebe nada de nada, anda para ali, no paraíso, a mostrar os músculos, sem saber o que fazer com aquele corpinho que Deus lhe deu! Tem de ser a espevitada da Eva a dar-lhe a conhecer tudo o que há de bom, na vida!
EP: O poder da literatura é aferível, simbolicamente, através da narrativa bíblica?
HV: A Bíblia é um dos grandes livros que servem de base para a chamada Literatura Ocidental, tal como as narrativas homéricas que, pessoalmente, acho mais ricas. A Bíblia tem boas histórias, claro, mas é na Ilíada e na Odisseia que se encontra tudo - como, mais tarde, em Shakespeare, Camões e Cervantes, por exemplo.
EP: As farmácias deviam substituir as prateleiras de medicamentos por estantes de livros?
HV: E as livrarias? Deveriam vender medicamentos? Talvez. Mas sim, um bom livro é melhor do que uma má aspirina.
EP: Quais os ingredientes para um bom livro?
HV: Sou má cozinheira. No entanto, no que diz respeito a livros creio que os ingredientes poderão ser, primeiro, uma boa história, em segundo lugar, uma boa história, em terceiro lugar, uma boa história. Depois, junte-se um léxico rico e, por fim, faça-se uma boa cosedura, lenta ou rápida, conforme a intenção.
EP: O leitor moderno sofre de distúrbio de atenção ou padece do gosto dos outros?
HV: Creio que não percebo a questão. Pergunta-me se acho que o leitor contemporâneo falha, no que diz respeito ao sentido crítico? Não sei. A minha opinião é a de que nunca se leu tanto como agora, do bom ao mau, do péssimo ao excelente. Quando me falam num passado "glorioso", cheio de gente cultíssima que lia muito e em que só havia autores excelentes, fico espantada. Até há bem pouco tempo, a maior parte da população de Portugal só tinha a quarta classe. Não existiam as bibliotecas que agora estão espalhadas por todo o país. Só uma elite restrita tinha a possibilidade de comprar livros. Os autores e autoras morriam de fome, ou emigravam ou tinham outras profissões. Prefiro esta abundância - que poderá ser mal, ou pouco, aproveitada - à escassez.
EP: Ainda existe espaço para uma literatura independente, como no cinema, ou assistimos a uma sistematização das preferências dos leitores?
HV: Esse espaço existe sempre, para quem quiser ocupá-lo.
EP: A imagem colonizou a palavra?
HV: Sempre assim foi. Não é uma questão de "colonização" Enquanto a alfabetização foi diminuta - até há bem pouco tempo, em Portugal - a imagem servia de ilustração de ensinamentos e de ideias. Basta olhar para as igrejas - pinturas, vitrais, frescos, composições de azulejos - onde se contavam as histórias que "educavam". Naturalmente, desde os finais do séc. XIX, que a fotografia e o cinema ocupam um lugar especial. No presente, observa-se uma interessante dicotomia nas redes sociais - as que privilegiam a palavra escrita (Facebook, p. ex.) e as que preferem a imagem (Instagram, p. ex.) . Qual prevalecerá?
EP: As artes, em geral, têm vindo a adaptar-se melhor que as letras ao mundo cibernético?
HV: São duas linguagens distintas, com ritmos diferentes. Embora as chamadas "vanguardas", numa e noutra área, tenham andado a par, no século XX. Mas tenho dificuldade, por exemplo, em encontrar paralelo, nas artes visuais, ao Ulisses ou ao Finnegans Wake do Joyce. "Aquilo" é tão incrivelmente novo! Quanto ao livro, em si, como objecto, creio que permanecerá mais algum tempo - não muito. Se se inventarem suportes melhores, venham eles!
EP: Um quadro digital é mais belo que um quadro a óleo?
HV: Depende da concepção do belo.
P: Como vê o futuro à luz do que foi o passado e de acordo com que estamos a viver no presente?
HV: Não sou vidente mas espero que a informação globalizada ajude a prevenir os piores actos dos seres humanos - guerras, atentados, destruição, violência no seio das famílias, das comunidades. Pessoalmente, o futuro não me preocupa. Espero vivê-lo intensamente, longamente, alegremente, como tenho feito com o meu tempo, até agora.
EP: Muito Obrigado, Helena.