EP: Como analisa o mercado editorial em Portugal?
HX: À semelhança da maior parte dos mercados editoriais do mundo de língua inglesa que marcam as correntes e modos de operar dos mercados modernos (com algumas excepções), o nosso mercado aproxima-se cada vez mais de um modelo americano de não – identificação (o leitor não identifica marcas / editoras porque pode encontrar de tudo na maior parte das editoras) e de cópia de conceitos (a lógica do “se isto resultou para alguém também vai resultar para mim”).
A lógica feroz das novidades que mal param nas bancadas por um ou dois meses antes de desaparecerem para a prateleira, de lombada, ou devolvidas para não mais regressarem (não vos aconteceu já perguntarem por um livro e dizerem-vos que está esgotado? Desconfiem: não é economicamente viável voltar a encomendar livros) determina o mercado transformando-o numa roda-viva em que o real valor não consegue sequer impor-se – muito menos chegar ao seu público. Daí a impossibilidade de impor novos autores ou autores desconhecidos mas que mereceriam outras oportunidades: não há tempo para os dar a conhecer ao público.
Todo o mercado é pois um mercado de excessos para um produto que precisa de tempo: ler é por natureza um processo demorado: também o negócio dos livros o deveria ser. Excesso de oferta, excesso de oferta do mesmo tipo de produtos e não de alternativas e diversidade. Excesso de barulho que não corresponde à qualidade.
Muita falta de profissionalismo e muita falta de estratégias para angariar novos leitores: que deveria ser a preocupação maior de todo o sector do livro.
EP: Publica-se mais e lê-se menos do que há cem anos? É um paradoxo ou é um sinal dos tempos face ao avanço da cultura da imagem?
HX: Percentualmente creio que se lê precisamente o mesmo – o que é assustador tendo em conta que, por exemplo na Islândia em que se lia o mesmo que em Portugal no ano de 1905, hoje 99% da população lê livros regularmente. Em Portugal a percentagem (provavelmente exagerada) é quase a mesma de 1905.
Quanto à pergunta em si: é um sinal de que, ao contrário dos países escandinavos – bem mais pobres do que Portugal em 1905, a ausência de uma revolução no ensino com aposta na qualidade não aconteceu por cá.
EP: O que leva um editor a publicar no século XXI? É uma questão de resistência, ousadia ou sobrevivência?
HX: Uma mistura das três. Há também o gosto de partilhar histórias e um espírito de missão social/ educacional.
EP: Que critérios distinguem um bom e um mau livro visto da perspectiva do editor?
HX: Critérios que não contam para o público: detalhes que só os editores detectam. Mas todos os (bons) editores são grandes leitores e esses são os critérios que contam: critérios de escolha: um editor é um leitor que assume um papel de evangelizador.
Claro que entre os editores há coisas evidentes: fazer um livro bem feito custa praticamente o mesmo que fazer um livro “às três pancadas”, então porque não fazê-lo bem feito?
EP: O leitor cada vez mais é chamado ao processo de edição?
HX: Na maior parte dos casos essa é uma ideia tão falaciosa como acreditar que os sistemas de atendimento telefónico das grandes empresas é “personalizado”.
No caso das nossas duas chancelas é mais do que evidente: funcionamos com sugestões dos leitores, dos nossos colaboradores (tradutores, revisores, autores) e dos padrinhos e amigos do projecto. Mas é dos poucos casos em que o leitor é arremessado para o processo de decisão.
EP: A E-Primatur tem sido inovadora no âmbito editorial. São restauradores da história ao publicar escritores e obras esquecidas? Ou também publicam novos autores que fogem às”regras do mercado”?
HX: Digo-o há muitos anos: não é possível economicamente aos pequenos editores publicar novos autores (pelo menos nacionais) sem que se lhes esteja a fazer uma injustiça: promover novos autores é fácil a quem tem uma máquina de marketing bem oleada e capacidade de promover autores no mercado. Os pequenos editores podem ter essa vontade e fazer um esforço mas o mercado (livreiros que decidem compras por algoritmos em programas informáticos) não se compadece das boas intenções.
A lógica da E-Primatur e da BookBuilders é publicar livros relevantes nas suas épocas como agora e livros actuais que, por uma mesma relevância, mereçam permanecer.
EP: Ray Bradbury escreveu o distópico fahrenheit 451 , mas é em Portugal que a floresta arde e as livrarias tradicionais fecham. Quais as consequências destes fenómenos lusitanos? O papel vai extinguir-se?
HX: E ser substituído por quê? Pelo livro electrónico que nunca pegou (nem lá fora nem cá dentro)? Mais facilmente desaparece a leitura: o nosso mundo da rapidez que leva a que as pessoas apenas leiam os títulos das notícias como no Facebook a informação que partilham tira o tempo para o lazer e para a degustação. Quer-se tudo rápido e sem ponderação – é o paraíso para quem quer governar sem ser posto em causa.
Quanto às livrarias: a maior parte não soube acompanhar os tempos nem nunca conseguiu reagir às mudanças de paradigma. No começo dos anos 2000 houve dois caminhos possíveis para as livrarias tradicionais: desenvolver novos modelos orientados para nichos e para o mercado local interagindo com as comunidades para ficarem próximas dos leitores (e assumindo critérios de selecção) ou unirem-se numa estratégia comum criando mecanismos centralizados para vários serviços mas mantendo a independência da escolha e oferta. Uma percentagem ínfima conseguiu a primeira alternativa; a segunda ruiu por mesquinhices. A resistência insensata consistiu em tentar concorrer com grandes cadeias com a mesma oferta destas – uma impossibilidade física e económica. Em boa parte causada pela Lei do Preço Fixo.
EP: Algum ser humano geneticamente modificado e tecnologicamente induzido poderá ler toda a “biblioteca de Borges”?
HX: Felizmente não. E se o conseguisse, como Alexandre sentar-se-ia e choraria por não haver mais mundos que conquistar.
EP: O melhor livro ainda é aquele que não foi editado?
HX: Pior: os muitos que não foram editados. Mas para os leitores não é o mesmo?
EP: Muito obrigado, Hugo
HX: Eu é que agradeço a simpatia.