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Conversa com Luís Filipe Sarmento

12/18/2018

1 Comment

 
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Foto de José Lorvão
Luís Filipe Sarmento (LFS) é escritor, tradutor e realizador. A conversa que se segue resulta de um afável contributo que deu à Estante do Porteiro (EP).
 
 
EP: Os símbolos e os conceitos diluem-se, confrontam-se ou complementam-se?
LFS: Os símbolos representam ou tentam representar coisas na sua ausência e exprimem emoções, são ferramentas de ficção, podem revelar ou ocultar segredos, são protagonistas da imaginação e convidam-nos a entrar no universo do incompreensível, do que é desconhecido, de tudo o que se nos apresenta como infinito. Os conceitos definem ou caracterizam coisas, são ideias, pensamentos, estruturas que podem servir-se de símbolos, complementando-se. Não creio que se diluam ou se confrontem quando de símbolo e conceito falamos. Talvez possamos entender como escalas do olhar. 
 
EP:Os algoritmos são alquímicos? São eficazes na cartografia dos estados de alma?
LFS: Entendo a sua pergunta no sentido de que a alquimia se sustentasse num conjunto de regras e práticas para a resolução da transmutação de um metal noutro ou, na espagíria, para retirar de uma planta o seu valor essencial ou, simbolicamente, o seu ouro. Mas não creio que os algoritmos sejam aplicados à alquimia que hoje em dia é resgatada como metáfora dos chamados estados de alma. O algoritmo é um método de resolução de problemas, mas não é um laboratório. É também falível, donde qualquer cartografia, que se quer exacta, ficaria exposta ao perigo do erro e tratando-se da alma, que em si é um mistério, daria certamente lugar a equívocos angustiantes.     
 
EP: O excesso de estímulos tornou o homem um ser em permanente estado de ansiedade? É a nova peste negra ou é um “espectro radioactivo”, invisível a todos?
LFS: O homem viveu sempre em permanente estado de ansiedade e rodeado por um infindável número de estímulos, alimentados pela curiosidade, que o levou da caverna à exploração dos céus. Vivemos cercados por ecrãs, no seio de parques tecnológicos, que nos estimulam a um consumo desenfreado de «gadgets». Nunca como hoje fomos tão consumidores do efémero, tão produtores de lixo. Num dos meus livros sublinho que nesta liturgia celebra-se o presente e a identidade como expressão de uma vontade aparentemente própria e liberta de anátemas; valoriza-se o que é novo numa representação «vintage», a dessacralização do acesso, a afirmação do indivíduo que se perde em si e ignora o valor solidário da vida. A ignorância e a falácia surgem como elementos estruturantes da cultura do engano, da promoção da miséria, do desconhecimento de si. Resultado dos mercados que fabricam diferenças, o homem é uma curiosidade de repetições semióticas. Uma novidade do passado.    
 
 EP: Uma caneta e um bloco de papel são instrumentos contra a vertigem dos dias? Permitem desenrolar o tempo ao ritmo dos batimentos cardíacos? Ou o homem viciou-se no resultado e na velocidade?
LFS: Estamos encarcerados na velocidade e vivemos de resultados prematuros que muitas vezes descambam na miséria de si. Os media da hipermodernidade, através da criação das suas imagens-velocidade, das suas imagens excessivas e violentas, impõem comportamentos, isolando quem resiste. Se, por um lado, o aparente objectivo é a estandardização dos comportamentos, por outro, é a morte da crítica o que mais interessa aos «capones» que hoje controlam as políticas ocidentais. Ao inscrever-se no registo do espectacular, da moda feérica, os medias valorizam a propaganda do luxo, do divertimento vazio, contra a implementação do conhecimento e do saber cujos valores representam o seu principal inimigo. A megadiversidade da informação e a sua meteórica velocidade induz que se tem acesso a uma liberdade de escolha nunca vista, a uma autonomia libertadora que se reflecte na ilusão de se ter uma opinião própria. Nada mais falacioso. Essa megadiversidade é constituída por elementos de formatação estanque do indivíduo, levando-o a escolhas sem opção, criando à superfície da consciência o paradoxo de quem pensa que está a escolher o que na realidade lhe está a ser imposto. O debate deixa de ser democrático porque a crítica é silenciada através da sua morte prematura. Os media só dão acesso às vozes do dono. E da uniformização dos comportamentos, que representa a primeira fase do ataque à cidadania, passa-se à uniformização das convicções em falsas opiniões que dão a entender que há liberdade de pensamento quando na realidade o que há é o seu estrangulamento. A hipermodernidade está a conduzir-nos a um niilismo totalitário. Quando se exacerba o individualismo está a capturar-se o indivíduo solidário, a conduzir a humanidade para um beco sem saída. O futuro tornou-se curto, a esperança precária, a ilusão efémera, com a criação perversa de crises que nos lançam na mais repugnante miséria. Não há espaço para a contemplação, somos sugados pela vertigem dos imediatismos que nos sufoca. O capitalismo financeiro não vê para além do minuto. O refrão da rentabilidade, do crescimento a qualquer preço e da urgência sustentam um plano infindável de «reformas» até à exaustão dos povos para que a debilidade da luta deixe o campo aberto à vilipendiação do planeta. Trump é o paradigma. 
 
EP: A poesia permite reencontrar o que de mais ancestral existe no homem face à emergência da sociedade tecnológica?
LFS: Há um regresso tímido à poesia. Ela permite a questão. Escrevemos para saber quem somos. Com quem comunicamos. A emergência da sociedade tecnológica, ao contrário do seu programa, faz com que se liberte uma nova poesia como reagente à ditadura do vazio. A consciência de futuro apela aos poetas para um movimento de mudança que altere este paradigma. Por outro lado, a luta contra este estado a que os Estados chegaram levam os poetas a uma obrigação ética de lutarem com todas as ferramentas que a hipermodernidade criou para os derrotar. O tempo que nos toca é para ser vivido e não escoado. Tudo é urgente quando se esquece o que é importante. Neste sentido, a poesia pode desencadear uma luta de consciência contra todos aqueles que programam holocaustos sociais no tempo. Ao banalizar-se a mudança como estigma da hipermodernidade produtiva e consumista, está a vulgarizar-se a violência como estigma da mudança. É contra esta agressão sobre si-mesmo que o poeta se deve convocar.   
 
EP: A sua obra literária sugere poderosas imagens. Existe alguma influência do realizador? Ou o poeta prefere quebrar as regras de quem o dirige?...
LFS: Creio que é exactamente o contrário. O poeta influencia o realizador. Quebrar as regras é dar o passo em frente, inequívoco, contra quem o quer dirigir. Mas aceito-me como alguém que faz literatura sustentado na cultura cinematográfica e no que ela sugere. A minha literatura é feita de sequências de planos, é um filme de ideias onde o real está implícito no que se sugere. Programo os meus livros como um guião e elaboro os meus guiões como um poema. O que está entre o princípio e o fim é a navegação no seio do temporal que estimula por vezes a deriva por vezes a condução do leme. Mas devo dizer que a deriva e o caos me estimulam mais do que o conforto banal. A literatura liberta-me o sentido de aventura sem regras nem bloqueios e muito menos a vassalagem a modismos episódicos. A escrita não é um sofrimento, mas o prazer de quem se aproxima por sedução do mistério.  
 
EP: A consciência é uma rede de impulsos eléctricos. Basta cortar a cabeça e tudo acaba?... Os cientistas deveriam dialogar mais com os alquimistas ou com os poetas?...
LFS: Creio que já não há alquimistas. E se alguns há cristalizaram-se na ideia romântica do velho alquimista. A alquimia, hoje, é sugerida como metáfora poética. Há uns anos, li com bastante prazer um livro que se anunciava como a arte antecipa a ciência. Trata-se da obra de Jonah Lehrer, Proust Era Um Neurocientista. O jovem cientista, a propósito das suas experiências em laboratório, dizia a certa altura que o romancista previra as suas experiências. Dizia Lehrer que «Proust e a neurociência partilhavam uma visão de modo como a nossa memória funciona. Se ouvíssemos atentamente, estavam na realidade a dizer a mesma coisa». É um livro que aborda uma temática interessante e onde conta histórias de artistas e poetas que anteciparam descobertas da neurociência. As criações artísticas eram actos exploratórios, uma maneira de entrar nos mistérios que não conseguiam compreender. E o diálogo que propõe é que «a ciência seja vista através da óptica da arte e a arte interpretada à luz da ciência» porque «a experiência e o poema completam-se mutuamente».    
 
EP: A ignorância e o medo são as armas do poder. Como nos libertamos da ignorância, do medo, do poder e dos universos distópicos que os mesmos construem?...
LFS: Lendo. Não se deixando reduzir como receptor sem reacção ao que nos querem impor através dos media fraudulentos. Não deixar que se reduza o objecto cultural à imagem carnavalesca e colorida do facilitismo medíocre onde as vendas se transmutam em espectáculo de palcos viciados. Combater através do consumo de cultura a burla que surge como primeira figura de um vaudeville que consome milhões na ecranização dos enganos diários. Talvez um regresso ao livro ajudasse a recriar a massa crítica tão ausente, hoje, da prática diária. Só através da leitura e do conhecimento é que podemos fugir à farsa, ao embuste, que a maquinaria publicitária produz para que se assegure a lotação esgotada de um espectáculo de supérfluos. Descobrir o que nos comove e alimenta através dos livros, do teatro, do cinema, das artes plásticas, do bailado, da música. Redescobrirmo-nos como seres sensíveis ao belo. 
 
EP: Como vê o futuro face ao que conhecemos hoje, sobretudo no campo político e no dialogo entre as múltiplas culturas espalhadas pelo globo?
LFS: Tenho esperança nas novas gerações, num novo olhar e práticas que regenere o planeta. Tenho esperança na derrota das cleptocracias. Mas o regresso das extremas-direitas sustentadas em populismos resultantes da estratégia neoliberal que lançou os povos para a mais infame das misérias é uma questão que está na ordem do dia e que devia convocar as populações para lutar contra esta peste social e não se deixar seduzir por ela. Caso contrário, continuaremos a assistir impotentes à espectacularização dos negócios mais obscuros e à consequente corrupção dos seres. Quando chegamos a um tempo em que se comercializam emoções, se transaccionam imagens-lixo, em que o prazer pornográfico ganha estatuto artístico numa orgia abjecta que dilacera e confunde não podemos esperar que, sem um regresso ao confronto ideológico, à luta por uma ética que nos comprometa num diálogo que preserve a sobrevivência do ser humano, os actuais protagonistas da destruição desistam da sua ganância ainda que comprometa a subsistência dos seus próprios filhos. As actuais políticas promovidas pelos neoliberais conduziram à necessidade de alimentar a ambição desmedida dos seus sargentos o que tritura e triturará as proximidades, as cumplicidades, os afectos genuínos e não os comerciáveis e sustentará inevitavelmente o culto da traição. Vivemos a obra ao negro quando necessitamos de lutar por sublimar a grande obra da humanidade: a paz e a solidariedade entre os homens. Caso contrário, seremos brevemente tratados como escória a abater.  
 
EP: Muito obrigado, Luís
1 Comment
BOM DIA !! BOA ENTREVISTA !!
12/19/2018 03:06:42 pm

Gosto muito da escrita POESIA \ PROSA do Luis Filipe Sarmento .

Boa entrevista em que ele fala do que quer e lhe apetece !! Como sempre !!

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