A ESTANTE DO PORTEIRO
  • Início
  • O PORTEIRO
  • PORTA CRIATIVA
  • VIDEOCAST E PODCAST
  • BLOG
  • ARTIGOS
  • AUTORES
  • LIVROS
  • Contactos
    • GALERIA >
      • AGENDA

CONVERSA COM MARIA JOÃO CANTINHO

1/30/2018

7 Comentários

 
Imagem
Fotografia de Maria João Cantinho
​Maria João Cantinho (MJC) é professora, editora e escritora. A conversa que se segue resultou de um afável contributo que a autora deu à Estante do Porteiro (EP).
 
EP: O pensador de Auguste Rodin está curvado com uma das mãos sobre o queixo. Que anjos e demónios o inquietam?
MJC: A figura de Rodin é a do melancólico por excelência, ensimesmado. Rodin esculpiu-o, representando Dante. É difícil adivinhar-lhe os pensamentos, mas, pela pose e pela tensão que lhe é imprimida por Rodin, poderemos talvez dizer que a sua mente está no mistério da existência ou concentrado na visão das «Portas do Inferno», tão perto do seu lugar, mergulhado no abismo da miséria humana, da sua finitude. Nele, a filosofia é uma demora de pedra.

EP: Pensamos muito e conhecemos pouco? 
MJC: Eu diria que pensamos pouco e conhecemos ainda menos. Estou muito próxima do que Montaigne dizia acerca dos limites do conhecimento humano. E o mundo está cada vez mais reduzido no seu pensamento, com a dilatação da técnica e das tecnologias. É um paradoxo e não é de hoje. Raros são os que renunciam para poder pensar livremente, mas, ainda assim, nada lhes é prometido. Só a liberdade e a solidão.

 EP: Como lidaria a famosa escultura com um telemóvel inteligente nas mãos, caso fosse insuflada de vida? 
MJC: Não o compreenderia, de todo. Não sabia que utilidade teria, achá-lo-ia demasiado barulhento e intrometido na sua vida pacata de pensador. São coisas incompatíveis, a velocidade que hoje nos é exigida, à mercê dos telemóveis inteligentes, e a do pensador, mergulhado no seu mundo interior, silencioso e solipsista.

EP: Poderia esse pensador, animado pela tecnologia, habitar um quarto descrito por Franz Kafka? Em que tédio, desespero ou ilusão viveria este novo pensador? 
MJC: Gosto de imaginar a hipótese. Mas o quarto de Kafka é o nosso quarto, somos nós esse Gregor Samsa, inventado por Kafka. Os incapazes de comunicar, de olhar, de sair para fora do quarto. E há nisso um desespero que tem algo em comum com o do pensador, uma melancolia comum, mas o pensador é, ainda livre, pode sair de si e olhar. O homem de Kafka é a criatura, esse estado miserável a que chegámos, prisioneiros de tudo quanto nos rodeia. O primeiro vive a ilusão do conhecimento, o segundo o desespero da solidão.

EP: O bem e o mal fazem parte do homem. São fruto de uma falha de pensamento, de uma falta de conhecimento interior, de um circuito neuronal ou de uma ira distraída de Deus?
MJC: Gosto de pensar como Platão, que dizia que, ainda que o bem seja uma ideia inata (faz parte do homem), o mal é dele privação, uma forma de ignorância, uma espécie de cegueira, se assim quisermos. Por isso, é o mal que constitui essa falha de pensamento. Claro que isso tem que ver com a natureza incompleta do homem e com o seu caminho (ou não) para o conhecimento interior. Há uns que se situam (raros) acima de outros.

EP: As personagens de Kafka e Dostoievsky vivem torturadas entre a tradição e a modernidade? E as personagens de carne e osso, que se cruzam nas alamedas anónimas das cidades, em que tortura se deleitam? 
MJC: Mais dilaceradas, creio eu, com o desalento e a solidão das grandes cidades. Não há hoje qualquer relação com aquilo que foi o tempo de Kafka e de Dostoievsky ainda menos, creio eu. Unia-os a culpa e a expiação como modo de tortura interior, as suas personagens são roídas por essa culpa que nada redime. Hoje já nem há culpa nas personagens de carne e osso. Só o vazio e o exílio disso que foi a tradição. Mergulhadas no ritmo frenético e sem tréguas da cidade, automatizadas pelo capitalismo selvagem e tornadas indiferentes, diante de tanta informação e tanta banalização das imagens. Nunca houve, como hoje, tanta informação e tão pouca capacidade de julgar por si próprio. É monstruoso.

EP: A criação artística é um inferno com sentido? Arrancar raios de luz dos círculos da escuridão?
MJC: Tem sempre sentido, pois é o único modo de tentarmos escapar ao inferno. Senão como iríamos resistir-lhe? Não poderíamos nunca prescindir dessa procura da beleza ou deixaríamos de ser o que somos: humanos. Embora pobres, mas humanos e esfomeados.

EP: Que narradores criamos para nos afastar do espectro da morte? São as narrativas de poder, glória e amor-ódio que fazem da História Universal uma angustiante repetição? Como lidou Walter Benjamin com estas temáticas tão humanas?
MJC: Como lidou ele com as narrativas da história como poder, queres tu dizer…opondo-lhe uma visão descontínua da história e ao arrepio das narrativas fatídicas e que transformaram o século XX num inferno. Pondo-se sempre do lado dos «vencidos», das vítimas destas construções falsificadas da história. O caminho, dizia ele, era o da revolução, o único gesto capaz de travar o comboio da história que nos levava à catástrofe. Travar esse comboio significava também salvar a tradição e reactualizá-la, em lugar de caminhar em direcção ao futuro triunfante do progresso.

EP: Uma sinfonia de Mahler, um quadro de Klee e um filme de Visconti podem ser bons argumentos para negociar a eternidade com São Pedro? Ou basta ir a uma boa loja de ferragens?...
MJC: Não sei como se negoceia a eternidade com São Pedro. Mas imagino que poucas coisas possam ser usadas para tal. Se não for a arte e a literatura, o que poderá salvar a carne? Eu iria mesmo por aí: a 5º de Mahler, o “Anjo da História” e “Morte em Veneza”, de Visconti. Não podemos descer por aí abaixo ou então não acreditamos em nada.

EP:. É verosímil acreditar em tudo que pensamos? Ou acreditar com os olhos, ver as coisas belas deste mundo é o único consolo que nos resta?
MJC: Acreditar com os olhos é a condição primeira, neste universo em que a visão é o mais redentor dos sentidos. Mesmo se a beleza for terrível, se matar. O gesto salva-nos. Depois é a escuta do rumor secreto da língua e do mundo, que nos leva ao êxtase. São poucas coisas em que devemos acreditar. A beleza é uma delas, o bem é outra. E gosto de pensar como os gregos antigos o faziam, em que beleza e bem não eram um sem o outro, nesse altíssimo conceito de kaloskagathos.

EP: Muito Obrigado, Maria João.
7 Comentários
Ivone Teles
1/30/2018 07:55:17 pm

Faço uma declaração prévia: só conheço MJC através do FB e há pouco tempo.Mas, já me parece conhecê-la, desde sempre.
Adorei a entrevista. Uma velhota a caminho dos 79 e uma jovem. A cultura académica que tem, cruza-se com a de muito tempo vivido. Interessante como poderiam ser minhas muitas das suas respostas. Na penúltima, até as Obras de Arte seriam as mesmas. Dou os Parabéns à Maria João e " Estante do Porteiro ".
Da pág.37 de " DO ÌNFIMO" de MJC retiro o Título: " Partes lentamente da vida" e o último verso" Tu sabes, vais a caminho "

Responder
Maria João Cantinho link
1/30/2018 08:25:25 pm

Querida Ivone,
Muito grata pela sua sensibilidade e generosidade, essa forma rara de disponibilidade de que dispõe, sempre aberta ao outro. 79 anos significa muita sabedoria, uma vivência excelsa, que soube transformá-la num ser humano grandioso. Um beijo!

Responder
João Nuno
1/31/2018 02:49:44 pm

Muito obrigado pelo seu comentário , Ivone. O porteiro e a sua estante agradecem o seu precioso contributo!

Responder
josé santos
1/30/2018 08:46:15 pm

https://youtu.be/Y-EokChUXO8,Liberdade segundo Gibran,abraço

Responder
João Nuno
1/31/2018 02:53:16 pm

Muito obrigado pelo seu contributo, José Santos.

Responder
Maria Santos
2/3/2018 07:53:40 pm

Os meus mais sinceros parabéns, Maria João, pela expressão do seu pensamento com palavras de uma beleza encantatória, que nos tocam,particularmente, na entrevista que acabei de ler com a atenção que merecem as suas palavras , que começam com o pensador de Rodin, passam pelo homem do quarto de KafKa , mostra o que pensava Water Benjamin , para chegar até a Platão e aos gregos
O Pensador de Rodin apresenta-se reflectindo na finitude humana e rodeado de um silêncio necessário ao pensamento. Diz MJC uma frase que se adequa na perfeição ao homem do presente " Hoje pensamos pouco e conhecemos ainda menos, " a solidão e a liberdade associadas motivam a incomunicabilidade que acelera o conceito de que cada vez se sabe menos. O silêncio tão necessário ao Pensador é uma impossibilidade motivada pelo ruído das grandes cidades, onde se cruzam uma diversidade imensa de sons de telemóveis que perturbam. Do outro lado o homem do quarto de Kafka, incapaz de olhar, de pensar ,de agir -" o homem de RODIN
vive a ilusão do conhecimento, o de KAFKA o desespero da solidão. .Para Platão o Bem é inato ao Homem, o mal é uma deficiência, uma falha de pensamento...
Estamos, pois, condenados a desaparecer, e só a arte nos pode salvar: Uma sinfonia de Mahler (a 5ª), um quadro de Klee ou um filme de Visconti.
Walter Benjamin acreditava que só fazendo a Revolução nos poderíamos livrar da tragédia das guerras que destruíram a Europa do século XX.
Por fim, propõe que se olhe a beleza do mundo, escutar a poesia que vive no rumor secreto do mundo. Acreditemos no BEM indissociável da BELEZA, imitemos o que faziam os gregos antigos.

Responder
João Nuno
2/7/2018 12:24:09 pm

Muito obrigado pelo seu contributo, Maria Santos.

Responder



Enviar uma resposta.

    Autor

    Jon Bagt

    Categorias

    Todos
    Citações
    Filmes
    Sociedade
    Virtual

    Histórico

    Maio 2022
    Março 2022
    Fevereiro 2022
    Janeiro 2022
    Novembro 2021
    Setembro 2021
    Agosto 2021
    Julho 2021
    Junho 2021
    Fevereiro 2021
    Janeiro 2021
    Dezembro 2020
    Novembro 2020
    Outubro 2020
    Setembro 2020
    Agosto 2020
    Julho 2020
    Junho 2020
    Maio 2020
    Abril 2020
    Março 2020
    Fevereiro 2020
    Janeiro 2020
    Dezembro 2019
    Novembro 2019
    Outubro 2019
    Setembro 2019
    Julho 2019
    Junho 2019
    Abril 2019
    Março 2019
    Fevereiro 2019
    Dezembro 2018
    Novembro 2018
    Outubro 2018
    Setembro 2018
    Agosto 2018
    Julho 2018
    Junho 2018
    Maio 2018
    Abril 2018
    Março 2018
    Fevereiro 2018
    Janeiro 2018
    Dezembro 2017
    Novembro 2017
    Outubro 2017
    Junho 2017
    Maio 2017
    Abril 2017
    Março 2017
    Fevereiro 2017
    Janeiro 2017
    Dezembro 2016
    Novembro 2016
    Outubro 2016
    Setembro 2016
    Agosto 2016
    Abril 2016
    Março 2016

    Feed RSS

      Newsletter

    Subscribe to Newsletter
Powered by Crie o seu próprio site exclusivo com modelos personalizáveis.