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CONVERSA COM RENATO FILIPE CARDOSO

5/2/2018

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Foto de Pedro Teixeira Neves
Renato Filipe Cardoso (RFC) é  escritor, poeta, dizedor de Poesia, apresentador e locutor. Uma voz única. A conversa que se segue resultou de um afável contributo que deu à Estante do Porteiro (EP).
 
EP: Para os crentes, Cristo curou pela palavra e foi crucificado. Que doença civilizacional a sociedade padece em que a palavra é frequentemente desvalorizada, alterada e manipulada?
 
RFC: Ignorância militante ‒ uma arma de destruição maciça. Tendemos a preferir quem ilude com falácias, meias -verdades, insistimos enfim em deixar-nos levar pelos falinhas-mansas, e preterimos aquelas e aqueles que nos acicatam, desafiam, confrontam. É-nos mais cómodo acoitar os discursos que não nos requerem grande esforço nem nos desassossegam do que aqueloutros que poderão abalar as nossas convicções e eventualmente desestruturar o próprio sistema de crenças. Optamos, pois, livre e deliberadamente, pelas preguiça e ignorância.
Nas retrógradas sociedades ditas modernas, nas actividades humanas desde a política à literatura, nos negócios desde a religião à publicidade, todos os obreiros conhecem e abusam desta proveitosa realidade: o extenso manancial de ignorância serve os seus propósitos.
E tem sido esta ignorância militante a base de praticamente todos os extremismos, fascismos e fanatismos do Mundo. Hoje, a ignorância militante aumenta de dia para dia, não obstante haver cada vez mais informação e conhecimento disponíveis, graças à tecnologia. Em proporção directa, assistimos ao recrudescimento de extremismos, fascismos e fanatismos em nações ocidentais e alegadamente evoluídas onde não o prevíamos possível. A título de exemplo, um dos tantos tristemente possíveis, em 2016 o senhor Temer nomeou para ministro da ciência, tecnologia e comunicações do Brasil um pastor da igreja universal do reino de deus, dona do partido PRB. Claro que um pastor falinhas-mansas dá um óptimo ministro da ciência, se quisermos ter uma ciência iurdinária que consegue exorcizar os demónios corruptos que se apossam de políticos. Felizmente, a anedota só durou alguns dias. Mas é sintomático...
 
EP: É preciso uma boa injecção de poesia para levantar os cadáveres adiados que somos?
 
RFC: Nasce-se sozinho, morre-se sozinho. O tempo que aproxima estes dois instantes de inevitabilidade, como singelamente escreveu num poema o argentino Roberto Juarroz, pode ser "uma flor". No decorrer do ramerrame quase sempre previsível da vida, cabe-nos fruir a beleza, criar beleza, partilhar beleza, ser, enfim, beleza.
Nem toda a gente terá de gostar de Poesia, naturalmente. Mas a Poesia não só nasce da beleza, enquanto exercício espiritual e de reflexão, como contém beleza e conhecimento, enquanto estética artística pluriforme do individual e do colectivo, do material e do intangível.
A Poesia oferece, quanto a mim, esse condão intáctil de proporcionar uma espiritualidade salutar e não-viciosa, além de nos pôr na senda daquilo que de mais belo pode haver, e porventura mais difícil de alcançar: tocar o Outro e ser tocado pelo Outro.
Porque é transversal e comum a todas as artes, porque persiste nos interstícios de cada microfragmento da vida, humana e mundana, transcendente e espiritual, a Poesia é o meu único deus. 
 
EP: As palavras belas deviam ter uma projecção maior? Como corrigimos essa falha orgânica do nosso aparelho vocal?
 
RFC: Todas as palavras são belas. Porque cumprem o propósito de permitirem materializar o pensamento, comunicar intenções, desejos, angústias, contar uma estória, criar serendipidade, etc.. São porventura a mais eficaz forma de sincronizar a nossa solidão. Por vezes, contudo, usamo-las com más intenções, fora do contexto que lhes é primacial e justo ou deslocadas a nosso bel-prazer em prol de objectivos quantas vezes pouco nobres . Se mal utilizadas, todas as palavras podem ser horríveis. A palavra amor pode matar ou provocar um terramoto; a palavra faca pode salvar uma vida ou ensinar o caminho para casa a quem está perdido. O inferno não são as palavras. Somos nós. E essa "falha" não radica no aparelho vocal, mas sim na consciência desaparelhada.
 
EP: A música surgiu para corrigir essa falha na criação? Uma compensação pelo preço que temos de pagar ao “porteiro do céu ou do inferno”?
 
RFC: A música não "surgiu". Sempre existiu. Faz parte e está presente em toda a natureza terrestre ̶ na "criação", se preferires este termo que remete para a mais bem-sucedida edição de contos de fadas. Os músicos limitam-se a transpor para sons organizados, reproduzir ou reinventar, de formas mais ou menos elaboradas, mais ou menos eruditas, com maior ou menor genialidade, toda a plêiade sonora que coexiste nas estruturas atómicas dos universos. Há no entanto, muitos sons inaudíveis ao comum dos ouvidos humanos. Os melhores músicos são aqueles capazes de intuir estes sons e dar-lhes um corpo.
Quanto ao "porteiro do céu ou do inferno", a última vez que passei nas imediações desses dois locais de diversão nocturna, e diurna, aquilo estava tudo às moscas. Acho que o rapaz foi  despedido e, porque era precário a recibos verdes (deus é um empreendedor de escrúpulos duvidosos), nem sequer foi indemnizado.
 
EP: O "purgatório” como mistura de estilos é um bom palco para a cena musical contemporânea? A fusão de estilos e tendências exigem mais do ouvido?
 
RFC: Sim e não. A fusão de géneros musicais requer uma competência extra da parte dos músicos ou bandas, na medida em que pressupõe um conhecimento apurado de cada quadrante que se pretende mesclar. Por outras palavras, não passa pela cabeça de um chef misturar nos seus pratos ingredientes cujo paladar desconhece.
Mas para responder a esta pergunta temos de encetar uma viagem à história recente:
Por um lado, a crescente miscigenação e multiculturalidade em cada geografia do Mundo acarreta um efeito similar para a música, cujos fazedores não são vasos estanques, antes permeáveis às díspares linguagens e tendências que os rodeiam. Por outro, as redes tecnológicas de informação disseminam e democratizam o conhecimento, porquanto hoje é possível viajar no tempo e descobrir todas as sonoridades e criações musicais gravadas desde que, em 1857, Edouard-Leon Scott inventou o fonoautógrafo. Finalmente, desde há cerca de um século que a música se propaga numa escala crescentemente global, donde se depreende que não subsiste qualquer género ou expressão musical imune aos múltiplos processos de fusão. Aliás, cada vez menos, como é óbvio.
Vejamos: o blues, rapaz nascido e criado nos estados do extremo sul dos Estados Unidos no último quarto do século XIX, provém das tradições musicais africanas e toma corpo como estética de expressão oral nos contextos de trabalho afro-americanos, mormente de escravatura. Rapidamente, o blues torna-se poliédrico tanto na forma como na intenção: a uma voz ou em coro, exclusivamente vocal ou instrumentado, ritmo de trabalho ou balada de amor, gemido de opressão (grito camufladamente politizado até) ou cântico espiritual. E é a partir do blues que toda a música moderna e contemporânea se desenvolve: o jazz, cujas origens remontam a finais do mesmo século na Nova Orleães marcadamente negra, deriva directamente destas cultura e criatividade populares, às quais acopla inicialmente segmentos da instrumentação das bandas marciais ou filarmónicas, de reportório e trajadura clássicos. Com o jazz geram-se novas abordagens de polirritmia, formas sincopadas, de improvisação e de liberdade criativa que derivam no swing, no ragtime, etc., etc.. Daí advém o rock'n'roll que, no final dos anos 40 e início dos 50, se afirma como predominante linguagem pop ‒ popular, portanto ‒ beneficiando de, teoricamente, requerer um menor conhecimento musical e instrumental da parte dos seus intérpretes, mas também ser menos exigente para o ouvido do público, logo, mais imediato.
A propósito, uma velha anedota conta que num concerto de jazz uma banda toca em palco 3.000 acordes para um público de 3 pessoas, enquanto num concerto de rock uma banda toca 3 acordes para um público de 3.000 pessoas.
Com e desde a geração espontânea do rock, a música tem encontrado mais e mais caminhos para a autossimplificação, que redundam no sem-número de géneros e subgéneros que actualmente podem ser catalogados. Aos quais acrescem, naturalmente, as raízes musicais ancestrais ou tradicionais associadas à ritualidade de cada geografia e cada povo, o folclore, que sempre existiu, subsistiu e evoluiu até, transformando-se a par e passo, com as mutações musicais globais.
Na década de 60 inicia-se a última grande revolução musical, a tecnológica ou electrónica, que se perpetua ainda. Caracteriza-se sobretudo por democratizar, tornar acessíveis, todas as linguagens musicais, tornando-as simultaneamente mais fáceis de operar. O grande boom da música pop nos anos 80, que tanto lixo deu à luz entre o que de bom se criou, os subgéneros do funk, do house, do reggae, do tecnho, do rap, do hip-hop, do drum'n'bass e tantos, tantos outros, são, na sua essência, formas tendencialmente mais simplistas e simplificadas de expressão musical. E, repara, digo expressão e não criação musical, porque diversas vezes, demasiadas até, a acepção de criação não se aplica àquilo que estas práticas musicais emanam.
Estas simplificação e popularização, que desde os anos 50 e 60 se afirmam gradualmente nas lides musicais, arrepiam caminho para a fundação de uma indústria musical massificada.
Resumindo, toda a música actual é conceptualmente de fusão. E, respondendo mais directamente à questão, a fusão de géneros e subgéneros que alguns artistas intentam, de forma mais ou menos experimental, pode resultar com harmonia e inteligência. Todavia, também pode, e assim é as mais das vezes, resultar numa aberração despropositada e sem nexo. E alimentar uma falsa noção de originalidade.
Regresso à metáfora inicial: embora tenha um extenso armazém de ingredientes à disposição um bom chef não os despeja todos na sopa, sem critério nem sentido de causalidade. Cria uma base e vai, pouco a pouco, experimentando este ou aquele novo ingrediente, testando o sabor e a consequência.
Enquanto ouvintes consumidores de produtos musicais, se exercermos o nosso consumo de forma inteligente, atenta e informada, quando expostos a uma «sopa» de mau gosto, que tem sal em excesso para disfarçar o paladar pobre ou a falta de substâncias nutrientes, ou em que ingredientes abstrusos se acotovelam para conquistar tempo de antena nas papilas gustativas, de imediato nos apercebemos do embuste, do artifício, da malfeitoria. Mas para isso necessário seria que fôssemos consumidores inteligentes. E esses são uma ínfima minoria, na música como em tudo o resto. 
Para que o mashup se inscreva enquanto arte, tem de partir de um acto de criação inteligente e conter um apelo intrínseco à inteligência de quem escuta. E não ser, apenas, ginástica aeróbica de arrumos.
Pessoalmente, gosto de géneros variados, diria que de quase todos. E, não sendo um puritano e tentando sempre degustar um tanto de tudo sem preconceito, acredito que os trabalhos de fusão, para fazerem sentido, a soma terá de ser sempre superior à mera soma das partes. Boa música de fusão, sim. Música de confusão, dispenso.
(E por falar em confusão, preciso de água, acho que falei de mais...)
 
EP: Numa sociedade doente e infeliz, a tecnologia é a anestesia perfeita na criação de mundos alados e egocêntricos? A solidão é um pecado computacional sem redenção?
 
RFC: Raio de pergunta! Vamos por partes: sociedade doente, sim; infeliz não, porque sucessivamente reúne panaceias para se anestesiar, capítulo no qual a tecnologia se destaca. Mundos alados e egocêntricos sempre os houve, nas mais diversas esferas e dimensões. Poderemos questionar, alternativamente, se a tecnologia não veio permitir uma espécie de câmara de descompressão ou válvula de escape para esses egocentrismos e solipsismos se desvanecerem? Será que estas personalidades, considerando vida real versus mundo virtual, não são, seriam, mais nefastas na vida real?
Assim como assim, a tecnologia, apesar de massificada, proporciona a cada um o direito à escolha: onde clicar; o que evitar e passar adiante; o que ver e não ver; o que consumir e não consumir; onde, quando, como e com quem interagir. A tecnologia não é o diabo. O diabo somos nós e as escolhas que fazemos. Leio frequentemente pessoas indignadas a dizerem mal do facebook. Onde? No facebook.
O verdadeiro problema é a nossa crescente tendência autofágica para nos cingirmos e esgotarmos nas escolhas que fazemos em sede tecnológica. Clicar em "gosto" numa iniciativa da Amnistia Internacional não salva vidas. Partilhar um vídeo da Greenpeace não reduz a nossa pegada ecológica. Colocar uma fotografia de um sem-abrigo não nos isenta do dever de contribuir para debelar as dimensões social, económica e até cultural do problema, não altera uma vírgula às políticas cretinas vigentes. Adoptar o slogan "je suis Charlie" não nos torna menos preconceituosos ou mais tolerantes ‒ e, regra geral, somo-lo pouquíssimo quando são os nossos calos, e não os de outros, a serem pisados.
De igual modo, ter 5.000 amigos numa rede social não reduz necessariamente a solidão de ninguém. Pode ser uma placenta comunicacional se se está fisicamente isolado, distante, ou não dispomos de mobilidade. Pode mitigar o isolamento porque nos põe em contacto. Mas a solidão não é um sentimento ou um estado absoluto, nem varia em função de se estar em contacto ou do número de amigos. A solidão, tal como a felicidade, nunca depende daquilo que se tem, mas sim, e sempre, daquilo que se quer ter.
Se encontramos on-line as pessoas com quem queremos estar e partilhar a vida, ou segmentos da vida, pois então a tecnologia pode quebrar e diminuir a solidão, com certeza. Se nos abstemos de estar com elas de corpo presente e nos encolhemos ou limitamos na faceta virtual, é porque provavelmente nos sentimos bem assim, fisicamente sós. Todavia, e provavelmente também, 
A questão é se, apesar desta coexistência tecnológica, perseveramos em estar presencialmente com aqueles que amamos e que nos importam enquanto seres afectivos e emocionais com quem queremos comungar a existência; se nos forçamos a lutar pela companhia de quem queremos ou se nos resignamos ao que é fácil e imediato, que anestesia mas não satisfaz?
Pelo facilitismo imediatista das decisões e acções em formato de botão, a tecnologia insiste em fazer-nos sentir autossuficientes em relação a quase tudo. E esta falácia pode bem assumir o aspecto de uma perversão do conceito de super-homem de Nietschze, traduzida como individualismo. E tende, inevitavelmente, a contagiar as emoções, os sentimentos e os afectos.
Portanto, o "pecado computacional" não é a solidão, mas sim o individualismo. E, completando o ciclo deste raciocínio, a culpa nunca será da tecnologia. Mas sim das escolhas.
 
EP: As imagens em cascata, em interminável fluxo são bordéis conceptuais?
 
RFC: Pensar é estar doente dos olhos, escreveu o Caeiro. Portanto, gostava de cascatas. Eu, nem de cascatas de imagens nem de bordéis conceptuais. Dos reais menos ainda, porque as escolhas que proporcionam dependem da exploração e objectificação de pessoas que muitas vezes não têm qualquer escolha. E eu defendo a escolha, a alternativa, como única forma sensível, inteligente e digna de realizar competentemente a vida. Porquanto, uma vez mais, e correndo o risco de repetir-me, haja multiplicidade a rodos que cada um tratará de usufruir, assim o queira e munido da informação ao dispor a que queira aceder, de fazer e exercer as suas opções.
 
EP: As palavras abrem a alma, mas são as livrarias que fecham. Daqui a vinte anos será o livro tradicional um objecto de culto? Ou precisaremos da terapia de choque da imagem que nunca se cansa?
 
RFC: Não sei. Eu amo os livros. O objecto, o cheiro do papel, o contacto, a fruição. E ainda se vendem muitos livros físicos, apesar de serem geralmente as obras e os autores mais merdosos aqueles que granjeiam maior sucesso. Assim acontece com jornais, rádios, televisões e quaisquer outros produtos comunicacionais ‒ quanto mais insultam o público com a péssima qualidade do serviço que prestam, maior audiência têm, o que atesta sobretudo o carácter acéfalo e o vírus de imbecilidade que grassa na audiência, já que o comportamento dos empresários é expectável: produzir o mau é mais barato que produzir o bom e tende a gerar mais-valias colaterais, comerciais e políticas.
Mas, enfim, a educação, em concreto a educação lúcida para o discernimento, é a lacuna maior da democracia, de todas as democracias. Porque todas as democracias têm à ilharga, nos mecanismos de controlo ao dispor de quem exerce o poder, a própria anulação. É mais fácil seduzir ou ludibriar incautos e energúmenos do que aqueloutros que procuram informação e esclarecimento. É mais fácil conquistar o voto de quem não sabe o que o voto significa e exige pouco. É mais fácil vender um hambúrger mcdonalds, uma pizza embalada ou uma coca-cola se as pessoas não compreenderem que estão a ingerir lixo alimentar, o que, secularmente, está na origem de uma conspiração tácita, silenciosa e sem-rosto para coarctar as ferramentas que permitiriam às pessoas interpretar correctamente o rol de ingredientes de cada produto ou de cada acção consequente das suas vidas. O estupor da publicidade e do marketing levam a melhor sobre a informação e a inteligência.
As livrarias fecham pelo mesmo motivo. Porque as boas, as que são uma quimera de livreiros que gostam e sabem de livros tal como uma peixeira conhece o peixe ou um alfaiate cria um fato por medida, oferecem um apelo à informação e à inteligência e não a luxúria de néon da publicidade e do marketing. E pensar, sabemo-lo estatisticamente, dá muito trabalho.
No caso particular dos portugueses, existe qualquer coisa de masoquismo estupidificado: em hordas, compram maioritariamente em livrarias de centros comerciais e em fnacs (que, não sendo livrarias, são grandes bazares que mercam livros às quais ainda faltam secções de cabeleireiro, de talho e pouco mais), porque gostam de saber que o seu dinheirinho é acumulado apenas por alguns senhores dos grandes grupos financeiros. Imagine-se, se comprassem em pequenas livrarias os malfadados livreiros (malfodidos?, vou registar o neologismo) ainda mantinham as portas abertas, tinham lucro ou se calhar abriam novas livrarias. Oh subversão! Oh topete! Oh audácia! Aonde é que isto iria parar? Nem haveria espaço para encaixar novos restaurantes gourmet ou pardieiros airbnb.
Sarcasmo à parte, a ênfase recai invariavelmente sobre as escolhas que fazemos ou que nos abstemos de fazer. Não me atrevo a qualquer vaticínio para daqui a 20 anos. Porém, com ou sem livros ‒ e desejo, evidentemente, que os haja ‒ espero que sejamos menos estúpidos.
 
EP: Descansar os olhos faria bem à sociedade aditivada como o sal inserido na máquina de lavar faz bem à louça?
 
RFC: O sal da máquina-de-lavar, verdade seja dita, corrói gradualmente os vidrados. Mas descansar os olhos de quando em vez, com certeza que faria bem à sociedade. Exemplar e sublimemente, assim no-lo demonstrou João César Monteiro com o filme "Branca de Neve". A Manuela Ferreira Leite também quis rodar a película Suspensão da Democracia por 6 Meses, com argumento da própria autoria, mas não logrou obter financiamento ‒ o que foi uma enorme injustiça!
 
EP: O preconceito, a injustiça, o medo e a ignorância sobrevivem a todos os avanços tecnológicos, sistemas políticos e convenções sociais. É preciso combatê-los com a Voz de todos?
 
RFC: Não só sobrevivem como também se transformam, adaptam, assumem novas formas e rostos, contextos, expressões e linguagens que, por nos serem tão circunvizinhas, cada vez mais perto de nós, muitas vezes não damos por elas, não as identificamos nem distinguimos. E, se não tivermos cuidado, acabamos por adoptar algumas e levá-las para casa de braço dado. O preconceito, a injustiça, o medo, a ignorância e sobretudo a intolerância, em que todos os anteriores se congregam e cristalizam, merecem-nos um exercício de permanente vigília, de incessante alerta. Com proactividade, claro está, mas com inteligência e discernimento, porque a prática de linchamentos está na rampa de lançamento para se tornar um desporto à escala mundial. Mesmo perante a face hipotética do mais hediondo dos crimes, a tolerância e o discernimento são as melhores armas da justiça.
Quanto a combater com a voz de todos, quero acreditar que quando a voz de todos estiver disponível para o combate não haverá já nada a combater.
 
EP: É preferível uma voz rouca, cansada e dorida do que um silêncio colaboracionista ou evasivo?
 
RFC: O silêncio faz-nos falta. Amiúde, tanta!... Colaborar é preciso. Cada vez mais. E, uma vez por outra, sabe bem evadirmo-nos. Tudo depende do que se silencia. Tudo depende daquilo com que se colabora. Tudo depende de que fugimos.
E se algumas vezes devemos estar prontos a batermo-nos por algo que valha a pena, pelo quanto nos define enquanto seres pensantes e de Liberdade, noutras as batalhas mais difíceis são aquelas que conseguimos evitar.
A voz será sempre imprescindível. A minha, de tanto falar, começa sim a ficar rouca e cansada.
 
EP: Muito Obrigado, Renato.
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    Autor

    Jon Bagt

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