Paris, Texas desenvolve-se com base em quatro cores: branco, vermelho, azul e verde que aparecem, isoladamente ou combinadas, em vários cenários do filme. Estacões de serviços, estradas, motéis, carros, comboios, vias férreas, aviões e, em geral, grandes espaços abertos.
Nesta amálgama de ruídos, Wenders produz uma estética unificadora. Os viadutos cruzam-se, as linhas de comboio parecem não ter fim tal como Travis e Jane não conseguem ter um discurso amoroso à mesma velocidade. O verde surge como filtro disruptivo em sequência dessa falha de comunicação, essa falha inconsciente atirada para o leito dos sonhos edipianos que Travis idealiza. A incomunicabilidade é resumida na parede de vidro em que Jane e Travis falam via telefone, mas com um aparelho de tv mal sintonizado em fundo. A cena da casa das meninas traquinas verbaliza o que a câmara nos indiciava desde o inicio da película.
Em Asas do Desejo, o murmúrio pincela a preto e branco todo o filme, lembrando, a espaços, o expressionismo alemão. Em Paris, Texas o aspecto do filme remete para as telas do americano Robert Henri, uma das influências de Edward Hopper.
No entanto, a amnésia inicial, o silêncio de Travis é poeticamente desconstruído no filme berlinense de Wenders, em que os protagonistas dão asas a uma voz interior que constantemente interroga quem eram, quem nós somos, que andamos aqui a fazer…
Em Asas de Desejo, as personagens andam pelos céus, em cima dos edifícios, visitam bibliotecas e os anjos entram pelos olhos inocentes das crianças, que como o pequeno Henderson em Paris, Texas sabia que a simplicidade salvaria o amor e daria um sentido à vida….
Os anjos são crianças imunes a violência, mas precisavam de um corpo para se tornarem mortais numa Berlim dilacerada pela loucura dos homens. Damiel quis experimentar o trapézio, as sensações, o amor que Travis e Jane não souberam cuidar, mesmo que Damiel fosse advertido por outro anjo, já caído interpretado por Peter Falk, que a vida é feita de escolhas, feita de caminhos que se bifurcam entre as auto-estradas para o inferno e as escadas para o céu ...
A consciência universal de Asas dos Desejo sobrepõe-se à inconsciência de raiz psicanalítica de Paris, Texas…
Em ambos os filmes, a câmara move-se acoplada a um pássaro preso ao livre arbítrio vigiando a morte acidental e a vida quotidiana.
A actualidade dos dois filmes é surpreendente: homens e mulheres comunicam através de um vidro por linhas análogas às telefónicas. Continuam sem saber quem são camuflando com asas de anjo o que não são…
A cor de qualquer película vai-se esbatendo, porque nascemos sós e haveremos de morrer sós, de volta a um “não-tempo” e a um “não-lugar”…
O mundo não conspira contra nem a favor de ninguém e tudo não passa de sombras, espelhos e máscaras.
É tempo de apreciar a viagem seja por terra, mar ou ar, ir de encontro ao que os homens desconhecem e os anjos nem imaginam…