Sobre a ponte,
O tolo, deslumbrado,canta e ri.
Seu pensamento voa no ar azul,
Nada num fluído etéreo de alegria
E doira aquela nuvem matinal.
Entre a nuvem e o tolo extasiado
Uma divina intimidade existe,
Um luminoso traço, que os prendeu
Ao mesmo sonho indefinido, aéreo...
Todo se exalta, agora, em madrugantes
E as virgens sensações, que se propagam
Em ondas e ondas vivas no Infinito.
E nelas vai o pobre triste...Vai,
Numa alada e fantástica impressão,
Que, ao ser por outras almas recebida,
Nesses mundos longínquos, se ilumina;
E neles é presente o pobre tolo...
Convive com os deuses, divagando
Em campinas de estrelas; saboreia
Miosótis, boninas, bem-me-queres
Encantado num êxtase de luz
(...)
XLI
És um triste jumento, pobre tolo,
Que pôs humana máscara na face...
Um fabuloso ser, trajando à moda;
Um deus que, nas entranhas duma fêmea,
De carne se vestiu para existir.
És teimoso, cismático e percebe
Os fantasmas e os anjos do Senhor.
Tem um apego enorme à sua corte ,
E uma predilecção extraordinária
Pelas ervas em flor dos pátrios montes.
Fita as orelhas grandes e lanzudas,
E ouve, de noite, a música dos astros.
Orneia, porque é irmão da cotovia,
No lusco-fusco amanhecente. E a estrela
De alva, tão acendida, se retrata
Nas águas mortas dos seus olhos
In Pobre Tolo de Teixeira de Pascoaes , Obras Completas , introdução e aparato crítico de Jacinto Prado Coelho, tiragem especial de 100 exemplares numerada com o n.º27, Editora Bertrand